Ecos do Silêncio — Textos Zen


O Coração Cotidiano

Hozumi Gensho Rôshi


No Mumonkan lemos a seguinte expressão notável:

O coração cotidiano é o caminho!

Isto significa que o caminho (jap. ) torna-se aparente em nossos corações comuns. O coração torna-se capaz de reconhecer o caminho em si. O Zen provê o fundamento para muitas artes, que são desenvolvidas em "caminhos". Entre as outras há o caminho do chá (jap. chadô), o caminho das flores (jap. kadô), o caminho da caligrafia (jap. shodô), o caminho da espada (jap. kendô, iaidô), o caminho do arco (jap. kyûdô). No Zen, caminho significa coração ou mente.

Não basta prestar atenção simplesmente à técnica e ao material quando praticar os caminhos do chá ou das flores. Você não aprende nada quando apenas presta atenção às aparências. É necessário tocar o espírito do caminho. O coração natural é o caminho. Mas agora perguntamos qual é o sentido do caminho da vida. "Qual é o caminho?" Nansen Zenji (chin. Nan-ch'üan P'u-yüan) responde:

O coração cotidiano é o caminho.

Este coração não se mostra tão facilmente. Mesmo se tivermos entendido, isso não significa que vivemos nosso coração cotidiano.

Compreender e realizar nosso coração na vida cotidiana — isto é o que significa. Então experienciamos o estado mental maravilhoso do mestre Nansen quando ele respondeu a esta pergunta. Esta resposta é tão natural e clara quanto um riacho da montanha. O coração cotidiano não é um coração sujo, pois é originalmente puro. "Originalmente" não significa seguir nossos próprios caprichos e fazer o que quer que se sintamos. Há regras e guias para o caminho. Ele conduz a uma vida cotidiana sem problemas. A fim de chegar á, precisamos de esforço incessante e de prática. Não seja negligente nem por um segundo, ou caso contrário será impossível alcançar este coração.


O coração do caminho do chá

No Nanporoku, um manual sobre o caminho do chá, há um importante ditado do mestre do chá Sen no Rikyu:

Até mesmo uma cerimônia do chá na menor sala permite praticar os ensinamentos do Buddha. Dar importância ao rico interior de uma sala ou casa de chá, ou estar interessado apenas na comida extraordinariamente boa — esses são interesses mundanos. Porém, é absolutamente suficiente quando o telhado não goteja. Ao comer, nos resguardamos da fome. Este é o ensinamento do Buddha e o significado do caminho do chá. Aqueles que querem conduzir uma cerimônia do chá devem trazer água, madeira e carvão, aquecer a água, preparar o chá e oferecer  este chá ao Buddha e às outras pessoas, bebê-lo, arranjar as flores, acender incenso. Assim, aprende-se a realizar o que é a felicidade no buddhismo.

Quem quer que leia isto pode perceber que uma mente profunda está por trás do caminho do chá. A sala não deve mobiliada de ricamente, mas simples e funcionalmente — é importante que o telhado da cabana não goteje. Quando comermos não devemos desejar por algo especial, mas devemos estar contentes quando temos o bastante para comer.

Caminhamos sobre a montanha, trazemos madeira e água fresca, levamo-la ao ponto de fervura e preparamos o chá com todo o coração. Primeiro o Buddha recebe o chá, então preparamos o chá para aqueles presentes e finalmente bebemos. Na sala há um vaso com flores. O ar é preenchido com incenso precioso. Esta ação leva ao próprio coração do ensinamento buddhista. A seqüência também tem de ser considerada.

Hoje em dia, as pessoas olham para si mesmas como o centro. Seria bom para nós se nos tornássemos mais modestos e não nos empurrássemos para o primeiro plano.

O espírito do chá respeita quatro princípios: wa, kei, sei, jaku. Wa, o coração da paz e da harmonia, é sem ego. Kei é o respeito e a estima por todos os seres e aprender dos outros. Sei, o coração puro, são as ações corretas e modo de vida correto, assim como uma boa consciência. Jaku, silêncio, quietude abençoada, é o elemento mais importante do caminho do chá. É mushin, o coração desperto do Buddha. Poderíamos dizer que, com a percepção do silêncio, o mundo do chá vem à existência.


O mundo e o silêncio

O artista real precisa de um longo período de silêncio antes de poder completar seu trabalho. Também poderíamos dizer que a arte nasce do silêncio. Consideramos esses objetos da arte sem palavras.

O famoso jardim de pedras do Ryoanji em Kyôtô é um exemplo perfeito da beleza do silêncio. Se você se sentar no jardim, fique quieto e veja; então, parecerá como se você tivesse falado com o jardim. No jardim, uma conversa silenciosa acontece. Nada tem de ser explicado. É claro, o criador dos solos realizou a arte e a religião em um grau elevado, expressando pensamentos e emoções através de cada pedra. Isto também nos toca hoje em dia. Assim, devemos ser gratos a esses predecessores que nos deixaram esses objetos de arte.

A arte Zen não é encontrada apenas nos jardim, mas também nos prédios e pinturas. As salas dos templos Zen e salas de chá são exemplos excelentes. A harmonia da "arte da sala" transfere-se para todos os presentes. Um prédio de madeira sugere, com seu cheiro, a conexão com a natureza; e mostra, com seus círculos anuais, o tempo. Às vezes, passamos algum tempo de pé na frente dessas "coisas velhas" e não conseguimos proferir uma única palavra de admiração. Podemos sentir a história por trás da arte, profunda e pesadamente.

A caligrafia também é maravilhosa. Algumas pinturas purificam o coração do observador honesto. Observando essas pinturas, não temos palavras, não há mais nada a ser dito. As caligrafias dos monges Zen demonstram profundidade. O silêncio é o elemento mais importante na arte e na religião.

No zendô, o zazen demonstra a profundidade do silêncio. No silêncio, articula-se o ativo e corajoso espírito do Zen. Podemos sentir nossa energia vital. É onde o zazen começa. Se você falar sem ter experienciando o silêncio, então suas palavras são sem significado. Na fala significativa (correta), podemos perceber se o falante respeita o silêncio.

 

(Adaptado de Hozumi Gensho Rôshi, Zen Heart.
York Beach: Wiser Books, 2001. Pág. 49-50, 61-63, 67-68.)


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