Ecos do Silêncio — Textos Zen


Os Doze Elos do Surgimento Co-dependente

Thich Nhat Hanh


Os doze elos do co-surgimento interdependente (sânsc. pratitya samutpada, literalmente "em dependência, coisas surgem") é um ensinamento profundo e maravilhoso, o fundamento de todo o estudo e prática buddhistas. O pratitya-samutpada é às vezes chamado o ensinamento da causa e efeito, mas isso pode ser desencaminhador, porque geralmente pensamos em causa e efeito como entidades separadas, com a causa sempre precedendo o efeito, e com uma causa conduzindo a um efeito. De acordo com o ensinamento do co-surgimento interdependente, causa e efeito co-surgem (sânsc. samutpada) e tudo é um resultado de múltiplas causas e condições. O ovo está na galinha e a galinha está no ovo. A galinha e o ovo co-surgem em dependência. Nenhum dos dois é independente. O co-surgimento interdependente vai além de nossos conceitos de espaço e tempo. "O um contém o todo".

grande

causa

O caractere chinês para "causa" () tem o caractere "grande" () dentro de um retângulo. A causa é grande, porém, ao mesmo tempo, é limitada. O Buddha expressou o co-sugirmento interdependente de modo muito simples: "Isto é porque aquilo é. Isto não é porque aquilo não é. Isto vem a ser porque aquilo vem ser. Isto não vem a ser porque aquilo não vem a ser." Estas frases ocorrem centenas de vezes tanto nos discursos das transmissões do norte quanto nos do sul. São o gênesis buddhista. Eu gostaria de acrescentar esta frase: "Isto é como isto porque aquilo é como aquilo."

Nos sutras, esta imagem é dada: "Três juncos cortados só podem ficar de pé quando estão encostados um sobre o outro. Se você tirar um, os outros dois cairão." Para uma mesa existir, precisamos de madeira, de um carpinteiro, de tempo, de habilidade e de muitas outras causas. E cada uma destas causas precisa de outras causas para existir. A madeira precisa da floresta, do brilho do sol, da chuva e assim por diante. O carpinteiro precisa de seus pais, de desjejum, de ar fresco e assim por diante. E cada uma dessas coisas, por sua vez, tem de ser trazida por outras condições. Se continuarmos a olhar deste modo, veremos que nada foi deixado de fora. Tudo no cosmos veio junto para nos trazer a mesa. Olhando mais profundamente para o brilho do sol, para as folhas da árvore e para as nuvens, poderemos ver a mesa. O um pode ser visto no todo e o todo pode ser visto no um. Uma causa nunca é suficiente para trazer um efeito. Uma causa precisa, ao mesmo tempo, ser um efeito, e cada efeito deve ser também a causa de alguma outra coisa. Causa e efeito inter-são. A idéia de uma primeira ou única causa, algo que não precise de uma causa, não pode ser aplicada.

Depois de o Buddha falecer, muitas escolas de buddhismo começaram a descrever o co-surgimento interdependente mais analiticamente. No Caminho da Purificação (páli Visuddhimagga), Buddhaghosa listou vinte e quatro tipos de condições (páli paccaya), "as condições necessárias e suficientes para algo surgir": [1] causa-raiz, [2] objeto, [3] predominância, [4] prioridade, [5] continuidade, [6] co-nascença, [7] mutualidade, [8] suporte, [9] suporte decisivo, [10] pré-nascença, [11] pós-nascença (uma causa pode nascer depois do efeito), [12] repetição, [13] karma, [14] resultado do karma, [15] nutrimento, [16] faculdade, [17] dhyana, [18] caminho, [19] associação, [20] dissociação, [21] presença, [22] ausência, [23] desaparecimento e [24] não-desaparecimento.

Na escola Sarvastivada, quatro tipos de condições (sânsc. pratyaya) e seis tipos de causas foram ensinados, e isto depois se tornou parte dos ensinamentos da escola Vijnanavada [Yogachara] da psicologia buddhista. De acordo com esta análise, todos os quatro tipos de condições devem estar presentes para tudo que existe.

O primeiro dos quatro tipos de condições é a "condição causa", "condição semente" ou "condição raiz" (sânsc. hetu-pratyatya), assim como uma semente é a condição causa de uma flor. Diz-se que há seis tipos de "condições causa":

[1] Força motivadora ou criativa (sânsc. karana-hetu): Cada dharma condicionado é a "causa geral" para todas as coisas, exceto de si mesmo. É uma causa co-presente, que não oferece obstáculos porque nenhum dharma constitui um obstáculo para o surgimento de outros dharmas propensos a surgir. Esta condição tem a função de dar poder e não de restringir.

[2] Condição concorrente (sânsc. sahabhu-hetu): Às vezes duas condições raiz precisam estar presentes ao mesmo tempo. Se desenharmos a reta AB, tanto A quanto B têm de estar aqui. O mesmo é verdadeiro para a lâmpada e para a luz da lâmpada. Todos os pares de opostos são assim; um não pode estar presente sem o outro. Acima e abaixo vêm à existência ao mesmo tempo, assim como as idéias de "ser" e "não-ser". Estes dharmas co-existentes condicionam-se mutuamente, um ao outro.

[3] Condição semente do mesmo tipo (sânsc. sabhaga-hetu): Similares causam similares. Arroz produz arroz. Causas sadias trazem efeitos sadios. Fé e alegria, por exemplo, fazem um prática estável ser possível. E causas não-sadias trazem efeitos não-sadios.

[4] Condição associada (sânsc. samprayukta-hetu): Um semente sadia e uma não-sadia sustentam uma à outra para dar surgimento a algo. Isto é chamado "associação" ou "correspondência" e aplica-se apenas a eventos mentais. Alguém dá dinheiro à sua igreja porque sente culpa sobre o modo de vida errôneo que lhe permitiu obter dinheiro. A semente de culpa devido ao modo de vida errôneo é não-sadia. Dar é sadio. O resultado é que os anciãos da igreja dizem querer mais que ele transforme o seu modo de vida do que o seu dinheiro. Isto irá ferir o seu orgulho, mas o conduzirá a muita felicidade no futuro e poderá ajudá-lo a aliviar sua culpa.

[5] Condição universal (sânsc. sarvatraga-hetu): A causa está presente em todos os lugares, em cada parte de nosso corpo, assim como através do universo. Os seis elementos da terra, água, fogo, ar, espaço e consciência são exemplos de condições universais.

[6] Condição amadurecedora (sânsc. vipaka-hetu): Em nossa consciência armazém (sânsc. alaya-vijnana), tudo não amadurece o mesmo. Quando levamos bananas para casa, algumas amadurecem antes das outras. Quando ouvimos um ensinamento de Dharma, algumas das sementes plantadas amadurecem logo, enquanto outras demoram muitos anos. Uma semente de um tipo também pode se transformar e amadurecer em algo diferente. Primeiro, uma laranja é uma flor, então se transforma em algo verde e ácido, e depois amadurece em uma fruta doce. Uma semente de amor pode amadurecer como uma semente de ódio. Quando começamos nossa meditação sentada, podemos nos sentir confinados e agitados. Depois de um tempo, nossa meditação pode amadurecer em algo bem relaxante e agradável.

O segundo tipo de condição, de acordo com os Sarvastivadins, é chamada "condição para o desenvolvimento" (sânsc. adhipati-pratyaya). Isto pode ajudar certas sementes a se desenvolver ou pode obstruir seu desenvolvimento. Todos têm uma semente de fé, ou confiança, por exemplo. Se você tiver amigos que reguem esta semente em você, ela crescerá forte. Mas se encontrar apenas condições favoráveis, você não realizará como esta semente é preciosa. Obstáculos ao longo do caminho podem ajudar nossa determinação e compaixão a crescer. Os obstáculos nos ensinam sobre nossas forças e fraquezas, para que possamos conhecer a nós mesmos e ver em que direção queremos ir verdadeiramente. Poderia-se dizer que a prática de austeridade do Buddha era desfavorável para o desenvolvimento de seu caminho, mas se ele não tivesse tomado essas práticas e falhado nelas, não teria aprendido e depois ensinado o caminho do meio. Quando sua atenção é forte, condições desfavoráveis não o desanimarão. Em momentos difíceis, você ficará junto de seus amigos, fortificará suas convicções e não as abandonará.

O terceiro tipo é a "condição da continuidade" (sânsc. samanantara-pratyaya). Para algo existir, deve haver uma sucessão contínua, momento após momento. Para nossa prática se desenvolver, precisamos praticar todo dia — meditação andando, ouvir os ensinamentos o Dharma, praticar a atenção dos quatro fundamentos em todas as nossas atividades, permanecer com a mesma Sangha e praticar os mesmos ensinamentos. Se colocarmos uma rã sobre um prato, ela pulará fora. Se você não praticar firmemente, será como uma rã sobre um prato. Mas quando você decide permanecer em um lugar até sua prática se desenvolver totalmente, podemos dizer que você atingiu o estado de "não-rã" e começou a praticar a "continuidade".

O quarto tipo de condição é o "objeto como condição" (sânsc. alambana-pratyaya). Se não há objeto, não pode haver um sujeito. Para nós termos confiança, deve haver um objeto de nossa confiança. Quando sentimos desespero, sentimos desespero sobre algo — sobre nossa idéia do futuro, sobre nossa idéia de felicidade, ou sobre nossa idéia de vida. Quando estamos zangados, temos de estar zangados com alguém ou algo. De acordo com o Buddha, todos os fenômenos são objetos da mente. Quando percebemos a imagem ou sinal de qualquer fenômeno, sabemos que o objeto de nossa percepção reside dentro de nossa consciência.


Podemos viver de um modo que nos ajude a ver as causas que estão presentes nos efeitos, e que os efeitos que estão presentes nas causas? Quando vemos deste modo, começamos a ter o insight sobre o co-surgimento interdependete, e esta é a visão correta. No buddhismo original, falamos de co-surgimento interdependente. No buddhismo tardio, usamos as palavras inter-ser e inter-penetração. A terminologia é diferente, mas o significado é o mesmo.

Após ouvir o Buddha ensinar sobre o co-surgimento interdependente, Ananda disse, "Venerável senhor, o ensinamento do co-surgimento interdependente parece ser profundo e sutil, mas eu o achei bem simples." O Buddha respondeu, "Não diga isso, Ananda. O ensinamento do co-surgimento interdependente é realmente profundo e sutil. Qualquer um que seja capaz de ver a natureza do co-surgimento interdependete será capaz de ver o Buddha" [Mahanidana Sutta, Digha Nikaya 15]. Uma vez que você possa ver a natureza do co-surgimento interdependente, você será guiado pelo seu insight e não perderá sua prática.

O ensinamento da impermanência está implícito no ensinamento do co-surgimento interdependente. Como poderíamos viver se não fôssemos nutridos por múltiplas causas e condições? As condições que nos permitem existir e mudar vêm do que não somos. Quando entendemos a impermanência e o não-eu, entendemos o co-surgimento interdependente.

Neste gatha, Nagarjuna liga o co-surgimento interdependente à vacuidade:

Todos os fenômenos que surgem interdependentemente.
Eu digo que são vazios.
Palavras vêm a um fim porque sua mensagem é falsa.
Palavras vêm a um fim porque há um caminho do meio.
[Mahaprajnaparamita Shastra]

Todos os ensinamentos do buddhismo são baseados no co-surgimento interdependente. Se um ensinamento não estiver de acordo com o co-surgimento interdependente, ele não é um ensinamento do Buddha. Quando você tiver compreendido o co-surgimento interdependente, você fará este insight brilhar sobre os três cestos (sânsc. tripitaka) dos ensinamentos. O co-surgimento interdependente permite que você veja o Buddha, e as duas verdades permitem que você ouça o Buddha. Quando você for capaz de ver e ouvir o Buddha, você não perderá seu caminho quando atravessar o oceano de seus ensinamentos.

1 Ignorância (avidya)
2 Ações Volicionais (samskara)
3 Consciência (vijnana)
4 Mente/Corpo (namarupa)
5 Seis Órgãos dos Sentidos e seus Objetos (ayatana)
6 Contato (sparsha)
7 Sentimento (vedana)
8 Desejo (trishna)
9 Apego (upadana)
10 Vir a ser (bhava)
11 Nascimento (jati)
12 Velhice e Morte (jaramarana)

O Buddha disse que há doze elos (sânsc. nidanas) na "corrente" do co-surgimento interdependente. O primeiro é a ignorância (sânsc. avidya). Vidya significa visão, entendimento, ou luz. Avidya significa a falta de luz, a falta de entendimento, ou cegueira. Apesar de a ignorância ser geralmente listada como o primeiro elo, não significa que a ignorância é a primeira causa. Também é possível começar a lista com a velhice e morte.

O segundo elo é a ação volicional (sânsc. samskara), também traduzida como formações, impulsos, energia motivadora, formações do karma ou vontade de vir a ser. Quando temos uma falta de entendimento, a raiva, a irritação ou o ódio podem surgir.

O terceiro elo é a consciência (sânsc. vijnana). Consciência aqui significa o todo da consciência — individual e coletiva, consciência mental e consciência armazém, sujeito e objeto. E a consciência aqui é cheia de tendências não-sadias e errôneas conectadas com a ignorância, que são da natureza que traz sofrimento.

O quarto elo é a mente/corpo, o nome e forma (sânsc. nama-rupa). "Nome" (sânsc. nama) significa o elemento mental e "forma" (sânsc. rupa) significa o elemento físico de nosso ser. Tanto a mente quanto o corpo são objetos de nossa consciência. Quando olhamos para nossa mão, ela é um objeto de nossa consciência. Quando tocamos nossa raiva, tristeza ou felicidade, estes também são objetos de nossa consciência.

O quinto elo são os seis ayatanas, que são os seis órgãos dos sentidos (olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente) acompanhados por seus objetos (formas, sons, odores, sabores, objetos do tato e objetos da mente). Estes seis ayatanas não existem separadamente da mente/corpo (o quarto elo), mas são listados separadamente para nos ajudar a vê-los mais claramente. Quando um órgão do sentido entre em contato (o sexto elo) com um objeto do sentido, deve haver uma consciência do sentido (que está dentro do terceiro elo). Estamos começando a ver como os doze elos inter-são, como cada elo contém todos os outros elos.

O sexto elo é o contato (sânsc. sparsha) entre o órgão do sentido, o objeto do sentido e a consciência do sentido. Quando entram em contato os olhos e a forma, os ouvidos e o som, o nariz e o odor, a língua e o sabor, o corpo e toque, a mente e objeto da mente, nasce a consciência do sentido. O contato é uma base para os sentimentos. É uma formação mental universal, presente em cada formação mental.

O sétimo elo são os sentimentos (sânsc. vedana), que pode ser agradáveis, desagradáveis, neutros ou mistos. Quando um sentimento é agradável, podemos nos tornar apegados (o nono elo).

O oitavo elo é o desejo (sânsc. trishna). O desejo é seguido pelo apego.

O nono elo é o apego (sânsc. upadana). Significa que ficamos presos no objeto.

O décimo elo é o vir a ser (sânsc. bhava), ser ou tornar-se. Porque desejamos algo, ele vem a ser. Temos de olhar profundamente para saber o que realmente queremos.

O décimo primeiro elo é o nascimento (sânsc. jati).

O décimo segundo elo é a velhice (ou decadência) e morte (sânsc. jaramarana).

A ignorância condiciona as ações volicionais. As ações volicionais condicionam a consciência. A consciência condiciona a mente/corpo. E assim por diante. Assim que a ignorância esteja presente, todos os outros elos — ações volicionais, consciência, mente/corpo e assim por diante — estarão lá. Cada elo contém todos os outros elos. Porque há ignorância, há ações volicionais. Porque há ações volicionais, há consciência. Porque há consciência, há mente/corpo. E assim por diante.

Nos cinco agregados, nada há que possamos chamar de eu. A ignorância é a incapacidade de ver esta verdade. A consciência, a mente/corpo, os seis sentidos e os seis objetos, o contato e o sentimento são o efeito da ignorância e das ações volicionais. Por causa do desejo, do apego e do vir a ser, haverá nascimento e morte, o que significa a continuação desta roda, ou corrente, de novo e de novo.

Quando os artistas ilustram os doze elos do co-surgimento interdependente, muitas vezes eles desenham uma mulher cega para representar a ignorância; um homem juntando frutas na selva ou um poteiro trabalhando para ilustrar as ações volicionais; um bote para representar a mente/corpo; uma casa com muitas janelas para os seis sentidos e seus objetos; um homem perfurado por uma flecha para o sentimento; um homem bebendo vinho para o desejo; um homem e uma mulher em união sexual ou um homem pegando uma fruta de uma árvore para representar o apego; uma mulher grávida para o vir a ser; uma mulher dando a luz para o nascimento; e uma velha mulher inclinada sobre um cajado, ou um homem carregando um corpo sobre suas costas ou ombro para, a velhice e morte.

Um outro modo pelo qual os artistas às vezes representam os doze elos é desenhar um embrião no ventre para a consciência; uma criança pouco antes de nascer para a mente/corpo; a criança com um a dois anos de idade, quando sua vida é dominada pelo toque, para os seis sentidos e seus objetos; a mesma criança com três a cinco anos para o contato; e um adulto para o desejo ou apego.

Não precisa haver exatamente doze elos. Nos textos do Abhidharma da escola Sarvastivada, diz-se que você pode ensinar um, dois, três, quatro ou cinco, até doze elos. O um elo pertence ao reino incondicionado (sânsc. asamskrita). Os dois elos são causa e efeito. Os três elos são passado, presente e futuro. Os quatro elos são ignorância, ações volicionais, nascimento, e velhice e morte. Os cinco elos são desejo, apego, vir a ser, nascimento e velhice e morte. Os seis elos são causa passada, causa presente, causa futura, resultado passado, resultado presente e resultado futuro. Porque a ignorância e as ações volicionais existem na consciência e os seis ayatanas existem no nome-e-forma, no Mahanidana Sutta o Buddha lista apenas nove elos. Em outras vezes Buddha ensinou dez elos, omitindo a ignorância e as ações volicionais.

Às vezes, quando o Buddha ensinou o co-surgimento interdependente, ele começou com a velhice e morte e com o sofrimento que as acompanha. Nos sutras que não incluem a ignorância e as ações volicionais como elos, o Buddha termina dizendo que a mente/corpo é condicionada pela consciência e que a consciência é condicionada pela mente/corpo. O Buddha nunca quis que entendêssemos os doze elos de modo linear — que há uma linha indo desde ignorância até a velhice e morte ou que há exatamente doze elos. Não apenas a ignorância dá surgimento às ações volicionais, mas as ações volicionais também dão surgimento à ignorância. Cada elo na cadeia do co-surgimento interdependente é tanto uma causa e um efeito de todos os outros elos na cadeia. Os doze elos inter-são.

Na tendência de ver os ensinamentos do Buddha como uma explicação de como as coisas são, ao invés de vê-los como um suporte e guia para a prática, os doze elos têm sido mal-entendidos de muitas modos. Um deles é vê-los como um modo de explicar porque há nascimento e morte. O Buddha geralmente começou os doze elos com a velhice e morte para nos ajudar a tocar o sofrimento e a encontrar suas raízes. Isto está intimamente ligado aos ensinamentos e prática das quatro verdades nobres. Foi depois da vida do Buddha que os mestres começaram com a ignorância mais do que antes, para ajudar a provar porque há nascimento e morte. A ignorância tornou-se um tipo de causa primeira, mesmo apesar de o Buddha sempre ensinar que nenhuma causa primeira pode ser encontrada. Se a ignorância existe, é porque há causas que dão surgimento a uma ignorância mais profunda. O Buddha não foi um filósofo que tentou explicar o universo. Ele foi um guia espiritual que queria nos ajudar a colocar um fim ao nosso sofrimento.

Os Três
Tempos
Os Doze Elos Os Dois Níveis da
Causa e Efeito
Passado Ignorância Causa
Ações Volicionais
Presente Consciência Efeito
Mente/Corpo
Seis Órgãos dos Sentidos e seus Objetos
Contato
Sentimento Causa
Desejo
Apego
Vir a ser
Futuro Nascimento Efeito
Velhice e Morte

Duas outras teorias baseadas nos doze elos desenvolveram-se após a vida do Buddha. Uma foi chamada de "os três tempos" e a outra de "os dois níveis da causa e efeito". De acordo com estas teorias, a ignorância e as ações volicionais pertencem ao passado; o nascimento, a velhice e a morte pertencem ao futuro; e todos os outros elos, desde consciência até o vir a ser, pertencem ao presente. É verdade que a ignorância e as ações volicionais existiam antes de nascermos, mas elas existem também no presente. Eles estão contidos dentro de todos os outros elos, que incluem os assim chamados elos do presente e do futuro.

Quanto aos dois níveis de causa e efeito, no primeiro nível a ignorância e as ações volicionais são ditas como sendo causas, e a consciência, a mente/corpo, os seis ayatanas e o contato são ditos como sendo efeitos. No segundo nível, os sentimentos, o desejo, o apego e o vir a ser nesta vida conduzem ao nascimento e à morte em uma vida futura. Teorias como estas não são totalmente não-acuradas, mas temos de ser capazes de ir além delas. Todos os comentários e teorias contém algum mal-entendimento, mas ainda podemos sentir gratidão a estes comentadores e teoristas por tomarem os ensinamentos em uma nova direção para ajudar as pessoas a se transformarem, enquanto basicamente estão de acordo com os ensinamentos do Buddha.

Quando ouvirmos dos comentadores que alguns elos são causas (nominalmente ignorância e ações volicionais) e que outros são efeitos (nominalmente velhice e morte), sabemos que isso não é consistente com os ensinamentos do Buddha, de que tudo é tanto uma causa quanto um efeito. Pensar que a ignorância dá nascimento às ações volicionais, que mais tarde dá surgimento à consciência, que então dá surgimento à mente/corpo, seria uma supersimplificação perigosa. Quando o Buddha disse que "a ignorância condiciona as ações volicionais", ele queria dizer que há um relacionamento de causa e efeito entre a ignorância e as ações volicionais. A ignorância nutre as ações volicionais, mas as ações volicionais também nutrem a ignorância. A ignorância ativa a consciência produzindo sentimentos de desconforto, apego, tristeza, intenção e aspiração, então estes sentimentos são chamados ações volicionais. Uma vez que estes sentimentos estejam ativos na consciência, eles fazem a ignorância ficar mais forte. A árvore dá surgimento e nutre suas folhas, mas as folhas também nutrem a árvore. As folhas não são apenas os filhos da árvore. Elas são também a mãe da árvore. Porque há folhas, a árvore é capaz de crescer. Cada folha é uma fábrica que sintetiza a luz do sol para nutrir a árvore.

O inter-ser da folha e da árvore é paralelo ao inter-ser dos doze elos do co-surgimento interdependente. Dizemos que a ignorância condiciona as ações volicionais, mas a ignorância também condiciona a consciência, tanto através das ações volicionais quanto diretamente. A ignorância condiciona a mente/corpo também. Se não houvesse ignorância na mente/corpo, a mente/corpo seria diferente. Nossos seis órgãos e os seis objetos destes órgãos também contém a ignorância. Minha percepção da flor é baseada em meus olhos e na forma da flor. Assim que minha percepção tornar-se presa no sinal "flor", a ignorância estará lá. Portanto, a ignorância estará presente no contato e também nos sentimentos, desejo, apego, vir a ser, nascimento, velhice e morte. A ignorância não está apenas no passado. Está presente agora, em cada uma de nossas células e de nossas formações mentais. Se não houvesse ignorância, não nos agarraríamos aos objetos de nosso apego. Se não houvesse ignorância, o sofrimento que está se manifestando bem agora não estaria aqui. Nossa prática é identificar a ignorância quando ela está presente. O apego está nas ações volicionais, nos sentimentos, no vir a ser, no nascimento e na velhice e morte. Nossas paixões, nosso fugir disto ou correr para aquilo, e nossas intenções podem ser vistas em todos os outro elos. Cada elo condiciona cada outro elo e é condicionado por eles.

Com este entendimento, podemos abandonar a idéia de uma corrente seqüencial de causação e podemos entrar profundamente na prática dos doze elos do co-surgimento interdependente. Apesar de se dizer no sutra que a consciência traz a mente/corpo, que a mente/corpo traz os seis ayatanas e assim por diante, devemos entender isto como um modo de falar e nada mais. Devemos ver os doze elos de maneira ampla, aberta.

Considere, por exemplo, o apego como o fruto do sentimento. Às vezes um sentimento não conduz ao apego, mas à aversão. Às vezes um sentimento não é acompanhado pela ignorância, mas pelo entendimento, lucidez ou bondade amorosa, e o resultado não será o apego ou a aversão. Dizer que o sentimento traz o apego não é suficientemente preciso. O sentimento com desejo e ignorância traz apego. Devemos ligar cada um dos doze elos com todos os outros. É isto que o Sutra do Coração quer dizer quando nos diz que "não há co-surgimento interdependente". Os doze elos são "vazios" porque cada um deles não existiria sem todos os outros. O sentimento não pode ser sem desejo, apego, vir a ser, nascimento, velhice e morte, ignorância, ações volicionais e assim por diante. Em cada um dos doze elos, vemos a presença dos outros onze. O sentimento pode conduzir ao apego, ao não-apego ou à equanimidade. 

A ignorância é avidya, a falta de luz. Vidya é o entendimento ou sabedoria. A presença de luz significa a ausência de escuridão. A presença do dia significa a ausência de noite. A presença da ignorância significa a ausência de entendimento. O Buddha disse, "Quando a ignorância vem a um fim, o entendimento surge". A ignorância conduz às ações volicionais, à vontade de viver. Quando você está com raiva, você quer fazer algo. Mas o entendimento conduz à vontade de morrer? Não, ele também conduz à vontade de viver. No entendimento há bondade amorosa e compaixão, e quando você é compassivo, amoroso e entendedor, você vai querer fazer algo para ajudar a aliviar o sofrimento. A raiva, o ódio e a ignorância são formas de energia. O entendimento e a compaixão também são formas de energia.

De um lado, há ações para as coisas apegadas ou que satisfazem nossos desejos. Do outro, há a volição de estar presente a fim de ajudar a aliviar o sofrimento. Essa é a intenção dos buddhas, dos bodhisattvas e de todos as pessoas de boa vontade. Eles têm amor, entendimento e portanto a vontade de estar presente no meio do sofrimento a fim de trazer alívio, conforto e alegria. A expressão "ação volicional" ou "vontade de viver" tem de ser entendida destes dois modos: [1] viver a fim de experienciar o prazer para si sozinho ou para oprimir os outros; [2] estar presente a fim de ajudar. Os assistentes sociais não vão às áreas miseráveis porque querem poder ou ser ricos. Eles vão porque querem servir, realizar sua necessidade de amar. Isso também é uma ação volicional.

Quando o Buddha olha para uma flor, ele sabe que a flor é a sua própria consciência. Nada há de errado em ter consciência. É apenas quando regamos sementes não-sadias — ignorância, ódio, inveja, ansiedade — que a consciência causa sofrimento para nós mesmos e para os outros. A consciência é a base para distinguir, planejar, ajudar e fazer um bom trabalho. Esse tipo de consciência está presente no Buddha e nos bodhisattvas. O Buddha disse, "Como é amável a cidade de Vaishali!" Ele disse, "Ananda, você não acha que os campos de arroz são amáveis? Vamos à cidade e compartilhar o Dharma?" Estas afirmações são baseadas sobre a consciência lúcida, a consciência cheia de entendimento, cuidado e amor.

Temos de regar as sementes de nossa consciência lúcida. Há ignorância em nós, mas também há sabedoria. A semente do despertar também está presente em cada elo. No adubo há flores; e nas flores há adubo. Se soubermos como olhar para as flores, elas durarão mais. Não pense que há apenas ignorância nos doze elos. Há também a semente da sabedoria desperta. Se você jogar fora os doze elos, não terá os meios para chegar à paz e à alegria. Não jogue fora a ignorância, as ações volicionais ou a consciência. Transforme-as em entendimento e em outros atributos maravilhosos.

Como você pode ver, também há um lado positivo dos doze elos, apesar de os mestres buddhistas desde o tempo do Buddha parecerem ter omitido isto. Precisamos encontrar palavras para descrever o co-surgimento interdependente dos estados positivos da mente e do corpo, e não apenas dos estados negativos. O Buddha ensinou que quando a ignorância termina, nada há. O que o entendimento claro condiciona? A claridade, a ausência de ignorância, dá surgimento ao desejo de agir com amor e compaixão. Isto é chamado a grande aspiração (sânsc. mahapranidhana) ou mente do despertar (sânsc. bodhichitta) no buddhismo Mahayana. Quando você praticar as quatro verdades nobres, verá que pode liberar a você mesmo e os outros seres, parará de fugir e de destruir você mesmo. O lado positivo das ações volicionais é a energia motivadora chamada a grande aspiração, que nos propele para os reinos belos e sadios ao invés dos reinos do inferno.

Assim como as ações volicionais condicionam a consciência, a grande aspiração condiciona a sabedoria. Quando nossa ignorância for transformada, o que temos chamado de consciência torna-se sabedoria. A consciência é descrita no esquema Vijnanavada em termos de oito consciências e estas são transformadas em quatro sabedorias. Quando as sementes do despertar, do amor e da compaixão de nossa consciência armazém tiverem sido desenvolvidas e amadurecidas, nossa consciência armazém será transformada e se tornará a sabedoria do grande espelho que reflete a realidade do cosmos. Todas as sementes que podem se tornar a sabedoria do grande espelho já estão presentes em nossa consciência armazém. Precisamos apenas regá-las. A sabedoria do grande espelho é o resultado do voto de salvar todos os seres como nossa ação volicional.

Quando invocamos o nome de Avalokiteshvara, esta é a vontade e a capacidade de estar lá, ouvindo, respondendo ao sofrimento e ajudando os outros. Quando invocamos o nome de Samantabhadra, essa é a vontade e a capacidade de agir atentamente e de servir alegremente aos outros. Quando invocamos o nome de Manjushri, essa é a vontade e a capacidade olhar profundamente, entendendo e sendo os olhos do mundo. Com este tipo de vontade, guiada pelo entendimento claro, nossa consciência torna-se um instrumento de engajamento no mundo. A presença de um Buddha é um exemplo deste tipo de ação volicional, uma oferenda de consciência do que está acontecendo, a vontade de ajudar, e saber o que fazer e como fazer a fim de aliviar o sofrimento do mundo. Essa consciência manifesta-se na mente/corpo, assim como ela faz para qualquer um. Mas a qualidade da mente/corpo do Buddha é diferente da nossa, e podemos ver e sentir isso.

Precisamos aprender os modos de usar nossa consciência como uma ferramenta de transformação. Nossos seis órgãos dos sentidos — olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente — podem contribuir para o surgimento da sabedoria do grande espelho. Vemos que o Buddha também tem seis sentidos que entram em contato com seis objetos dos sentidos, mas ele sabe como guardar seus sentidos para que os nós mais internos não sejam amarrados. O Buddha usa seus seis sentidos habilmente e realiza coisas maravilhosas. As cinco primeiras consciências tornam-se a sabedoria da realização maravilhosa. Podemos usar estas cinco consciências para servir os outros. A consciência mental, sob emancipação, torna-se a sabedoria da observação maravilhosa, a sabedoria que vê as coisas como elas são.

Quando os seis sentidos e seus objetos entram em contato, este contato dá surgimento a um sentimento agradável, desagradável ou neutro. Quando um bodhisattva vê o sofrimento de uma criança, ele sabe como é o sentimento do sofrimento e também tem um sentimento desagradável. Mas por causa desse sofrimento, a preocupação e a compaixão surgem nele e o bodhisattva é determinado a agir. Os bodhisattvas sofrem como o resto de nós, mas em um bodhisattva os sentimentos não dão surgimento ao apego ou aversão. Eles dão surgimento à preocupação, ao desejos e à vontade de ficar no meio do sofrimento e da confusão, e de agir.

Quando um bodhisattva vê uma bela flor, ele reconhece que a flor é bela. Mas também vê a natureza de impermanência na flor. É por isso que não há apego. Ele tem um sentimento agradável mas não cria uma formação interna. A emancipação não significa que ele suprime todos os sentimentos. Quando ele entra em contato coma a água quente, ele sabe que é quente. Os sentimentos são normais. De fato, estes sentimentos ajudam-no a permanecer na felicidade, não o tipo de felicidade que é sujeito à tristeza e à ansiedade, mas o tipo de felicidade que nutre. Quando você pratica respirando, sorrindo, sendo tocado pelo ar e pela água, esse tipo de felicidade não cria sofrimento em você. Ele o ajuda a ser forte e sano, capaz de ir além em seu caminho para a realização. Os buddhas, os bodhisattvas e muitos outros têm a capacidade de desfrutar um sentimento agradável, o tipo de sentimento que é curador e rejuvenecedor sem se tornar apegados. O sentimento que temos quando vemos pessoas oprimidas ou sofrendo pode fazer surgir em nós a preocupação, a compaixão e o desejo de agir com equanimidade, não com apego.

Esta sabedoria da igualdade vem da sétima consciência, manas. Manas é o discriminador número um. Ela diz, "Isto sou eu. Isto é meu. Isto não é meu." Essa é a especialidade de manas. Temos de manter esta consciência, então ela pode se tornar a sabedoria da igualdade. Nossa consciência tem de se transformar e não ser jogada fora. É o mesmo com os cinco agregados. Não dizemos "os cinco agregados são sofrimento" e os jogamos fora. Se o fizermos, nada será deixado — nenhum nirvana, nenhuma paz e nenhuma alegria. Precisamos de uma política inteligente para tomar conta de nosso lixo.

A sabedoria da observação maravilhosa transforma manas na sabedoria da igualdade. Somos um. Somos iguais. Posso pensar que você é meu inimigo, mas enquanto toco a dimensão última, vejo que você e eu somos um. Às vezes, precisamos tocar o coração da Terra apenas uma vez e a sabedoria da igualdade aparecerá bem no coração de nossa consciência manas. A sabedoria da observação maravilhosa toma o lugar da sexta consciência, a consciência mental. Antes do desaparecimento da ignorância, a sexta consciência dá surgimento a muitas percepções errôneas, como ver uma corda como sendo uma cobra, e a muito sofrimento. Devido à "transformação na base" — a consciência armazém tornando-se a sabedoria do grande espelho — a sexta consciência pode ser transformada na sabedoria da observação maravilhosa.

A quarta sabedoria, a sabedoria do grande espelho, traz milagres. No passado, nossa consciência visual nos fez apaixonados ou nos colocou no escuro. Agora, com nossos olhos abertos, podemos ver o dharmakaya, o ensinamento do corpo do Buddha. Quando nossa mente for clara como um rio claro, a sexta consciência será a sabedoria da observação maravilhosa e nossa consciência armazém será a sabedoria do grande espelho.

O entendimento claro condiciona a grande aspiração e a sabedoria. Se a consciência condiciona a mente/corpo, o que a sabedoria condiciona? Nós temos corpo e mente, os bodhisattvas têm corpo e mente e o Buddha tem um corpo e uma mente. Não devemos jogar nosso corpo e mente a fim de experienciar a liberação. Usamos o termo nirmanakaya (corpo de transformação) para descrever o lado brilhante da mente/corpo. Neste corpo e mente, não há mais ignorância, ações volicionais ou consciência errônea. A função deste corpo e mente é despertar e liberar os seres vivos. O amor e a compaixão podem se manifestar em centenas de milhares de formas diferentes. Avalokiteshvara pode aparecer como uma criança, como um político, ou como uma bela mulher com uma voz tão clara quanto a canção do pássaro kalavinka, o cuco indiano. Um bodhisattva pode ser bonito ou feio, pobre ou rico, saudável ou doente. Qualquer mente/corpo que tem a função de trazer amor, entendimento e felicidade é o corpo de transformação do Buddha.

Se a mente/corpo condiciona a consciência por um lado e os seus ayatanas por outro, e se o corpo de transformação condiciona a sabedoria por um lado, o que ele condiciona por outro? Podemos dizer que ele condiciona o corpo resultante (sânsc. sambhogakaya), que é o fruto da prática profunda que é dita como sendo marcada pelos trinta e dois sinais. Cada corpo é uma coleção dos cinco agregados e tem componentes mentais e fisiológicos (nome e forma). No caso do sambhogakaya, a fisiologia e a psicologia contém a claridade, a bodhichitta e as quatro sabedorias como meios para ensinar o caminho e não contém a ignorância.

Mesmo dentro da mente/corpo do Buddha, há contato. O Buddha bebe água e veste roupas quentes. Se ele não for protegido do frio, ficará doente. Quando os seis órgãos dos sentidos do Buddha estão em contato com os seis objetos dos sentidos, o Buddha não tem sentimento, mas esse sentimento não conduz ao apego. O contato em um Buddha (sânsc. sambhogakaya) é purificado e atento, e os sentimentos são o mesmo. O sambhogakaya é totalmente protegido porque faz a prática de guardar seus seis órgãos dos sentidos e seus objetos. Também podemos fazer a prática de brilhar a lua da atenção sobre os contatos que tomam lugar entre nossos órgãos dos sentidos e objetos dos sentidos. Se não guardarmos estes contatos, mesmo se nos sentarmos em uma sala de meditação vinte e quatro horas por dia, não estaremos praticando. Quando andamos, falamos, comemos ou o que quer que façamos, se guardarmos nossos sentidos, os contatos que tomarão lugar entre nossos órgãos do sentidos e os objetos dos sentidos serão claros e calmos.

Quanto mais o lado positivo dos doze elos for concernido, mais o contato se tornará a atenção do contato, e mais o sentimento se tornará a atenção do sentimento. Cada contato dos sentidos e cada sentimento tem claridade e calma. Quando os sentimentos e contato são projetados, eles não conduzem ao apego, mas ao amor, à compaixão, à alegria e à equanimidade — as quatro mentes imensuráveis. Com atenção, vemos os sentimentos como dolorosos, agradáveis ou neutros. Quando vemos pessoas sofrendo ou em dor, ou quando as vemos se divertindo de modo tolo, um sentimento em nós dá surgimento à energia da bondade amorosa — o desejo e a capacidade de oferecer alegria real, e isto conduz à energia da compaixão — o desejo e a capacidade de ajudar os seres vivos a por um fim ao seu sofrimento. Esta energia dá surgimento à alegria em nós, e somos capazes de compartilhar nossa alegria com os outros. Também dá surgimento à equanimidade — não tomar partido ou ser levado pelas imagens e sons trazidos a nós através do contato e dos sentimentos. Equanimidade não significa indiferença. Vemos igualmente aqueles que amamos e que odiamos, e tentamos, o melhor que pudermos, fazer ambos felizes. Aceitamos as flores e o lixo nem com apego, nem com aversão. Tratamos ambos com respeito. A equanimidade significa deixar ir, não abandonar. O abandono causa sofrimento. Quando não estamos apegados, somos capazes de deixar ir.

As quatro mentes imensuráveis são a base para a liberdade. Quando estamos em contato com as coisas por meio da mente de amor, não fugimos ou procuramos, e essa é a base da liberdade. O não-objetivo tomo o lugar do apego. Quando temos liberdade, o que parecia ser sofrimento torna-se o ser maravilhoso. Também pode ser chamado de o reino de Deus ou a terra pura. Alguém que é livre tem a habilidade de estabelecer uma terra pura, um lugar onde as pessoas não precisam correr. O ser maravilhoso está além do ser e do não-ser. Se um bodhisattva precisar manifestar um ser, se precisar nascer neste mundo, ele nascerá neste mundo. Ainda há vida, mas ele não está preso nas idéias de ser, não-ser, nascimento ou morte.

O ser maravilhoso é o equivalente do vir a ser dos doze elos convencionais. O ser maravilhoso é a base para o ser nascido sem estar preso em idéias errôneas sobre nascimento e morte. A folha tem a aparência de nascer e morrer mas não está presa em nenhum deles. A folha cai na terra sem qualquer idéia de morrer, e é nascida novamente ao se decompor aos pés da árvore e nutri-la. A nuvem tem a aparência de morrer e se tornar chuva, mas não sente tristeza ou dor. Há pessoas que sofrem quando vêem uma folha morrer. Na época do romantismo, havia jovens que pegavam pétalas de flor caídas, enterravam-nas, lamentavam e escreviam epitáfios. Quando uma folha nasce, podemos cantar Feliz Continuação. Quando uma folha cai, podemos cantar Feliz Continuação. Quando tivermos despertado o entendimento, o nascimento é uma continuação e a morte é uma continuação, o nascimento é uma aparência e a morte é uma aparência. As pessoas também parecem nascer, crescer e morrer.

Estudamos os doze elos do co-surgimento interdependente a fim de diminuir o elemento da ignorância em nós e de aumentar o elemento da claridade. Quando nossa ignorância é diminuída, o apego, o ódio, o orgulho e as visões também são diminuídos; e o amor, a compaixão, a alegria e a equanimidade são aumentados. Isto acontece em todos os nidanas. Após a claridade, há a bodhichitta, a grande aspiração. A chave é guardar os seis sentidos e a atenção aos sentimentos e ao contato. Esta é o lugar por onde podemos entrar no ciclo e começar a transformá-lo.

Em seu primeiro ensinamento do Dharma, o Buddha precaveu seus discípulos a não se apegarem nem ao bhava nem ao abhava, ao ser ou ao não-ser, porque bhava e abhava são apenas construções da mente. A realidade é algo que está em algum lugar no meio. Quando apresentamos os doze elos da maneira usual, se dissermos que não há apego, isto significa que não haverá ser, que estamos aspirando ao abhava. Mas isto é claramente o que o Buddha não queria. Se você disser que o objetivo da prática é destruir o ser a fim de atingir o não-ser, isto é inteiramente incorreto. Com o não-apego, vemos tanto o ser quanto o não-ser como criações da mente, e flutuamos sobre a onda do nascimento e da morte. Não nos importamos o nascimento. Não nos importamos com a morte. Se tivermos que nascer de novo para continuar o trabalho de ajudar, tudo bem. Sabemos que nada nasce e que nada pode morrer. Temos a sabedoria do não-nascimento e da não-morte. Sabemos que há nascimento, velhice e morte, mas também sabemos que estas são apenas ondas sobre as quais os bodhisattvas flutuam. O nascimento está tudo bem e a morte está tudo bem se soubermos que eles são apenas conceitos em nossa mente. A realidade transcende tanto o nascimento quanto a morte.

No século XI, no Vietnã, um monge perguntou ao seu mestre de meditação, "Onde é o lugar além do nascimento e da morte?" O mestre respondeu, "No meio do nascimento e da morte." Se você abandonar o nascimento e a morte a fim de encontrar o nirvana, não encontrará o nirvana. O nirvana está no nascimento e na morte. O nirvana é nascimento e morte. Depende de como você olha para ele. De um ponto de vista, é nascimento e morte. De outro, é nirvana.

Não vamos apresentar o ensinamento do Buddha com uma tentativa de escapar da vida e de ir para o nada ou para o não-ser. Os bodhisattvas fazem o voto de vir de novo e de novo para servir, não por causa do apego, mas por causa de sua preocupação e de sua vontade de ajudar. A prática do viver atento desenvolve o mesmo tipo de sabedoria, preocupação e bondade amorosa em nós, então podemos servir. É a hora de apresentarmos o ensinamento do co-surgimento interdependente de um modo que seja fácil e acessível para as pessoas de nosso tempo. Aqueles que ensinam os doze elos também precisam entender seu lado positivo.

Os Dois Aspectos do Co-surgimento Interdependente
Elo Quando condicionado pela mente deludida Quando condicionado pela mente verdadeira
1 Ignorância (avidya) Entendimento Claro (vidya)
2 Ações Volicionais (samskara) Grande Aspiração (mahapranidhana)
3 Consciência (vijnana)
  • Cinco Primeiras Consciências
  • Manovijnana
  • Manas
  • Alayavijnana
Quatro Sabedorias 
  • Sabedoria da Realização Maravilhosa
  • Sabedoria da Observação Maravilhosa
  • Sabedoria da Igualdade
  • Sabedoria do Grande Espelho
4 Mente/Corpo (namarupa) Corpo de Transformação (nirmanakaya)
5 Seis Órgãos dos Sentidos e seus Objetos (ayatana) Corpo do Resultado (Sambhogakaya)
6 Contato (sparsha) Atenção do Contato
7 Sentimento (vedana) Atenção do Sentimento
8 Desejo (trishna) Quatro Mentes Imensuráveis (brahmaviharas)
9 Apego (upadana) Liberdade (apranihita)
10 Vir a Ser (bhava) Ser Maravilhoso
11 Nascimento (jati) Sabedoria do Não-nascimento
12 Velhice e Morte (jaramarana) Sabedoria da Não-morte

Há o co-surgimento condicionado pela mente deludida e o co-surgimento condicionado pela mente verdadeira. O mundo, a sociedade e o indivíduo foram formados por um ciclo de condições baseadas na mente deludida. Naturalmente, em um mundo baseado sobre a mente deludida, há o sofrimento e a aflição. Mas quando as condições são baseadas sobre a mente verdadeira, elas refletem a natureza maravilhosa da realidade. Tudo depende de nossa mente. Imagine mil pessoas cujas mentes são cheias de percepções errôneas, visões errôneas, inveja, ciúme e raiva. Se elas vieram juntas, criarão um inferno sobre a Terra. Os ambientes onde viverem, suas vidas diárias e seus relacionamentos serão todos infernais. Se duas pessoas cheias de mal-entendimentos viverem juntas, criarão um reino do inferno um para o outro. Como é muito maior o inferno de mil pessoas!

Para transformar o inferno em um paraíso, precisamos apenas mudar a mente no qual é baseado. Para mudar as mentes de mil pessoas, pode ser necessário trazer algum elemento de fora, como um mestre de Dharma ou um grupo de pessoas que pratiquem o Dharma. Imagine mil pessoas que não têm percepções errôneas, raiva ou inveja, mas que têm amor, entendimento e felicidade. Se estas pessoas vierem juntas e formarem uma comunidade, ela será o paraíso. A mente das pessoas é a base do paraíso. Com sua mente deludida, você faz o inferno para você mesmo. Com sua mente verdadeira, você faz o paraíso. Se duas pessoas vierem juntas com uma mente verdadeira, elas farão um pequeno paraíso para si mesmas. Se uma terceira pessoa quiser se juntar às duas, elas devem tomar cuidado. "Devemos deixá-lo se juntar a nós ou não?" Se o paraíso delas for sólido, podem deixá-lo se juntar a elas. Com duas mentes verdadeiras, há a esperança de que uma mente deludida possa ser gradualmente transformada. Mais tarde, haverá três mentes verdadeiras, e este pequeno paraíso continuará a crescer.

Muitos volumes foram escritos sobre os doze elos do co-surgimento interdependente baseados na mente deludida. Temos de abrimos uma nova porta e ensinar a prática dos doze elos baseados na mente verdadeira a fim de trazer um mundo de paz e alegria.

(Thich Nhat Hanh. The heart of the Buddha's teaching - transforming suffering into peace, joy, and liberation:
the four noble truths, the noble eightfold path and other basic Buddhist teachings. Broadway Books: New York, 1999. Pág.
221-249.)


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