Ecos do Silêncio — Textos Zen
Mark Epstein
Assim que comecei a me interessar pelo
buddhismo e pela psicologia, tive uma demonstração nítida de como seria difícil
conseguir a integração destes dois mundos.
Alguns dos meus amigos organizaram, na casa de um professor de psicologia da
Universidade de Harvard, um encontro entre dois preeminentes professores
buddhistas que nunca se haviam encontrado antes e que representavam duas tradições
que, de fato, tiveram entre si pouco contato nos últimos dois mil anos. Antes
que os mundos do buddhismo e da psicologia ocidental pudessem se unir, as várias
correntes buddhistas teriam de se encontrar. E nós iríamos presenciar este
primeiro diálogo.
Os professores — Kalu Rinpoche, do Tibet, de setenta anos, um veterano com sua
experiência de anos de retiro solitário, e o mestre Zen, Seung Sahn, primeiro
Zen coreano a ensinar nos Estados Unidos — testariam seus conhecimentos em
proveito dos espectadores, estudantes ocidentais. Iríamos assistir a uma
importante cerimônia que costuma ser chamada de combate do Dharma (o embate de
grandes mentes aguçadas por anos de estudo e meditação), e aguardávamos o
seu início com a ansiedade que tal encontro histórico nos provocava. Vestidos
com suas túnicas drapeadas — a do tibetano, marrom e amarela, a do coreano,
cinza escura e negra — os monges entraram acompanhados de uma comitiva de
jovens de cabeças raspadas que seriam seus intérpretes. Sentaram-se sobre
almofadas, na tradicional posição de pernas cruzadas, e o anfitrião deixou
claro que o mestre Zen, mais jovem, deveria começar. O lama tibetano se sentou
muito sereno, manuseando um rocal de madeira (mala), enquanto murmurava
continuamente Om Mani Padme Hum. O mestre Zen — que adquiria renome por
seu método de lançar questões-relâmpago aos alunos até que se sentissem forçados
a admitir sua ignorância, para então ouvi-lo gritar: "Conserve essa mente
que não sabe de nada!" — tirou de dentro de sua túnica uma laranja,
estendeu-a ao lama e perguntou: — O que é isto?
"O que é isto" é a típica pergunta que inaugura um debate, e podíamos
perceber que o monge coreano estava preparado para rebater qualquer resposta que
lhe fosse dada.
O tibetano continuou na mesma posição, impassível, manuseando o mala, sem
fazer um único movimento que indicasse a possibilidade de uma resposta.
— O que é isto? — Insistiu o mestre Zen, segurando a laranja diante do
nariz do tibetano.
Kalu Rinpoche se inclinou lentamente para o monge tibetano que estava ao seu
lado fazendo às vezes de intérprete, e os dois se puseram a cochichar por
alguns instantes. Finalmente o intérprete se dirigiu à platéia e disse:
— Rinpoche diz: "Qual é o problema com ele? Não há laranja no lugar de
onde ele vem?"
E o diálogo não foi além.
(Epstein, Mark.
Pensamentos
sem pensador: uma perspectiva budista para a psicoterapia.
Tradução de Daniela Versiani. Rio de Janeiro: Gryphus, 1996. Pág.
13-14. Para adquirir o livro, clique aqui.)