Ecos do Silêncio — Textos Zen


Fushukuhanpo

Regras para as Refeições


"Quando a pessoa se encontra identificada com a comida que consome, estará então identificada com o universo inteiro; quando estivermos de tal forma identificados com o universo inteiro, seremos neste caso unos com a comida a qual consumimos." Podemos encontrar este trecho no Vimalakirti Sutra . Eis então que o universo inteiro e uma refeição são a mesma e idêntica coisa.

Se todo o universo é o Dharma, a comida também é o Dharma: se o universo é a verdade, então a comida é a verdade: se um deles for de qualidade ilusória, o outro também o será: se todo universo for Buddha, a comida será Buddha da mesma forma. São idênticos em todos seus aspectos. "Tanto o conceito quanto a realidade se encontram identificados com a visão dos Buddhas, não havendo quaisquer diferenças entre eles." Podemos encontrar este trecho no Lankavatara Sutra . 

"Se o universo for encarado como o reino do espírito, nada haverá fora deste reino. Se for encarado com sendo a verdade, nada então haverá diferente da verdade. Se o for com sendo a Essência, haverá então apenas a Essência em tudo. Se for visto como 'aparições diferentes', haverão tão somente 'aparições diferentes'."

Aqui "igual" significa não o igual que podemos encontrar no mundo da discriminação, mas sim no mundo absoluto, significando a sabedoria do Buddha. Não existe qualquer diferença entre o universo inteiro e a verdade quando ambos forem encarados com a visão da sabedoria, pois que a própria manifestação da verdade é já aquela igualdade. Somos, portanto, a encarnação do universo ao comermos, mas este é um fato que tão somente buddhas compreendem em toda sua plenitude. O universo é a personificação da verdade. Ao comermos, o universo inteiro é a verdade completa: em sua aparência, natureza, substância, força, atividade, causa, efeito, relações, consequência e individuação. Desta forma, a verdade se manifesta quando comemos, e quando comemos, podemos perceber a manifestação da verdade. A mente correta ao se comer foi transmitida de um buddha para outro e nos dá alegria tanto ao corpo quanto à mente.
Quando soa o sino no fim do zazen matinal, o desjejum é servido no próprio salão de meditação, sendo que os praticantes permanecem naquele mesmo lugar que ocupavam quando da meditação. O tambor é então soado três vezes e o sino dez; oito vezes para anunciar a todo mundo que é hora do desjejum. Nos templos de cidade, o sino é tocado primeiro, enquanto nos templos das montanhas, o tambor é batido em primeiro lugar. Com o som do tambor ou do sino, aqueles que se encontram virados para a parede se voltam de frente uns para os outros que estão do outro lado do tan, e aqueles que estiverem trabalhando fora do salão de meditação pararão de trabalhar, lavarão suas mãos e entrarão ali andando como em kin'hin. Depois de ouvirem as três leves batidas no han de madeira, entrarão no salão em silêncio e sem olharem ao redor. Eis que não é permitido conversar no salão de meditação.

Sempre que um praticante der entrada no salão de meditação, deverá forçosamente fazer gasshô, o que significa unir as pontas de seus dedos justamente abaixo da ponta do nariz. Mesmo que a cabeça fique tombada, inclinada para o lado ou ereta, as pontas dos dedos deverão estar sempre de tal forma alinhadas, e ao fazer gasshô, os braços deverão estar distanciados do tórax e os cotovelos afastados das laterais do corpo. Ao entrar no salão de meditação pela porta da frente, todos sem exceção deverão entrar pelo lado esquerdo, onde quer que seus assentos possam estar localizados, utilizando-se de seus pés esquerdos ao atravessarem o umbral da porta. O superior dá entrada no salão de meditação pelo lado direito da porta ou diretamente pelo seu centro. De qualquer maneira, ele entra com seu pé direito primeiro, que é a maneira tradicional, reverência a estátua de Manjushri, volta-se para a direita e senta-se em seu assento. O júnior principal atravessa o gaitan e entra pelo lado esquerdo da entrada principal, na frente. Se praticantes entrarem pela porta de trás, aqueles cujos assentos estiverem na metade direita do salão de meditação entrarão pelo lado direito, entrando com seus pés direitos primeiro, e aqueles na metade esquerda, entrarão pelo lado esquerdo, atravessando com seus pés esquerdos primeiro. Reverenciando na direção leste atrás da estátua de Manjushri, se dirigem em seguida a seus assentos. 
Os assentos no salão de meditação estão distribuídos de acordo com a data de ordenação de cada qual, em seguida pela data de admissão naquele templo, ou de acordo também com o tipo de trabalho que o praticante realiza. Contudo, durante o período de treinamento de noventa dias, a data de ordenação, será aquela considerada principal.

Quando estivar para sentar no tan, o praticante deverá em primeiro lugar reverenciar seu próprio assento, inclinar-se ante os assentos de seus vizinhos diretos, voltar-se na direção dos ponteiros do relógio e reverenciar o praticante que se encontra do lado oposto do tan; depois, enfiará a manga esquerda de seu koromo debaixo de seu braço esquerdo com seu braço direito, a manga direita debaixo de seu braço direito com sua mão esquerda, levanta o kesa na frente com ambas as mãos, segurando-o com a mão esquerda, junta os pés, senta-se levemente na borda do tan e tira suas sandálias. Em seguida, dando um pequeno impulso no tan com a mão direita, ergue primeiramente a perna esquerda e em seguida a direita, empurra seu corpo para trás no assento, de tal forma que não mais esteja sentado naquela parte que se usa como mesa durante as refeições, e senta-se reto, colocando seu pé esquerdo em sua coxa direita. O kesa é então colocado em cima dos joelhos para ocultar seus mantos internos da vista dos outros do outro lado. Não devemos deixar jamais que os mantos caiam pela borda do tan afora e suficiente espaço deverá ser sempre deixado entre o praticante que está sentado e a borda que se usa para comida, para que possamos abrir as tigelas, sendo que este espaço é considerado puro. Temos três razões par tal, que são conhecidas com as Três Purezas:

  1. O kesa estará descansando ali;

  2. As tigelas ali se encontrarão abertas;

  3. As cabeças dos praticantes estão apontadas para aquele ponto quando dormem.

O diretor, encarregado de disciplina, o cozinheiro, o inspetor geral e os monges assistentes sentam-se do lado direito do gaitan, e o encarregado de receber hóspedes, o assistente da enfermaria, o bibliotecário, o encarregado da parte externa e os monges veteranos se sentam do lado esquerdo.

Depois que o peixe de madeira (mokugyo) for soado três vezes, todos deverão estar já em seus assentos, e ninguém poderá mais entrar no salão daquele momento em diante. O unpan, que está pendurado fora da cozinha, será então soado várias vezes para avisar a todos que se levantem, reunam suas tigelas de seus assentos e as coloquem no lugar puro em frente de onde sentam; e todos fazem isto conjuntamente. Todos calmamente ficam de pé, e virando-se para a direita, reverenciam seus nomes que estão afixados sobre seus assentos, fazendo gasshô, soerguem as tigelas com ambas as mãos, cuidando para que não fiquem nem muito elevadas nem muito abaixo de si, voltam-se para a esquerda com as ditas tigelas perto do peito, sentam-se e empurram as mesmas para o lado esquerdo atrás de si mesmos. Todos os praticantes deverão ter o máximo cuidado para que não incomodem os praticantes dos seus lados, ou para que não se virem tão violentamente que o kesa sagrado lhes vá de encontro à cabeça ou aos rostos.
Depois disto o mais veterano que estiver encarregado da estátua de Manjushri lhe oferecerá arroz cozido, fazendo gasshô, no que será acompanhado de um praticante assistente que lhe entregará uma tigela com arroz. Ele então se inclina ante a estátua, tira o pano de crepe do malho que se acha diretamente atrás dele, retorna à frente da estátua com suas mãos em gasshô, reverência novamente, volta-se a direta, deixa o salão e segue para seu próprio assento de meditação, passando pelo tan dos encarregados da metade leste do templo.

Depois que o tambor foi batido três vezes, o sino em seguida é soado sete vezes diretamente em frente ao salão de meditação. Então o superior entra e os praticantes imediatamente se erguem de onde estão sentados. O superior reverência Manjushri e também todos os praticantes e em seguida senta-se em sua cadeira. Os praticantes então se sentam novamente. Quando todos estiverem já arrumados, o monge assistente que foi atrás do superior até o salão e que o estará aguardando fora, reverência imediatamente, entra, coloca uma mesa em frente à cadeira do superior, reverência e deixa o salão. As tigelas do superior são colocadas numa mesa preparada para tal. Os praticantes, sentando-se eretos em linha reta, põe todos suas tigelas em frente a si. O encarregado da disciplina entra depois disto, reverência Manjushri, oferece incenso, reverência novamente e vai até o malho, fazendo gasshô. Depois que o malho de madeira foi soado uma vez, os praticantes descobrem suas tigelas.

Para realizar isto, deverão primeiramente fazer um gasshô, desamarrar o nó da cobertura da tigela e dobrar o pano de prato até que fique de um tamanho desobstrusivo, duas vezes de alto e três vezes ao comprido, colocando-o junto com o saco apropriado para os talheres, bem em frente ao joelho. Estendendo em seguida o guardanapo sobre seus joelhos, colocam panos de prato com o saco de talheres em cima. A cobertura é então aberta e sua extremidade fica dependurada sobre a quina do tan, e os outros três cantos ficam virados par dentro e embaixo, para formar uma pequena almofada para que as tigelas sejam ali depositadas. O cimo da cobertura de papel laqueado é então pego com ambas as mãos, e a dobra inferior segura na mão direta e a superior na esquerda, então desdobrada como se para cobrir as tigelas. Enquanto a seguramos na mão direita, apanhamos as tigelas com a esquerda e as colocamos no setor da quina esquerda deste tope de mesa, retirando-as em seguida, uma de cada vez de dentro da tigela maior, em ordem, começando pela menor. Devemos usar apenas o polegar de cada mão para as remover, para que não façamos nenhum tipo de ruído. Quando se tratar de apenas uma refeição ligeira, apenas três tigelas serão utilizadas. Os talheres serão então removidos do saco, seguido da colher; quando tiver terminado a refeição serão colocados em seus devidos lugares em ordem reversa, mas o pauzinho com o qual se enxagua as tigelas permanecerá o tempo todo no saco. Os talheres e a colher serão colocados com seu cabo para a direita em cima da mesa em frente às tigelas. O pauzinho com o qual se lava as tigelas é neste momento tirado do saco e colocado entre a tigela de sopa e a tigela usada para os picles, com seu cabo apontado para a quina do tan. Todos os praticantes aguardam então que se realize a oferenda de arroz para os espíritos dos falecidos. O saco vazio dos talheres é dobrado em três e recolocado debaixo do guardanapo, em cima da cobertura laqueada, sendo que esta cobertura se encontra por cima do pano de prato.

No caso em que a refeição tenha sido ofertada por alguém, o assistente da enfermaria entra no salão de meditação levando um incensório, seguido daquele que ofereceu a refeição. Depois que ele ofereceu incenso diante de Manjushri, conduz o doador por todo o salão de meditação. Neste momento, o doador mantém suas mãos em gasshô e sua cabeça inclinada em reverência. Os praticantes fazem gasshô, sem falar, rir, olhar de um lado para o outro, apenas sentados calma e quietamente.

O encarregado da disciplina então soa os blocos de madeira uma vez e recita o seguinte:

Tomamos refúgio no Buddha, 
Nas escrituras perfeitamente corretas,
Nos ancestrais e bodhisattvas, 
Cujos méritos estão acima de toda compreensão.
Hoje eis que um dos nossos ofereceu comida.
Eu rogo a todos que compreendam as razões que o levaram a assim proceder.
Que neste momento exporei para todos:
(As intenções do doador são lidas em voz alta)
Acabei de vos expor as razões que o levaram a nos oferecer esta comida,
E eu conclamo os buddhas e bodhisattvas que testemunhem 
A sinceridade desta pessoa, pois eles possuem a visão sagrada que consegue 
penetrar além de si mesmos e dos outros.
Recitemos neste momento os nomes dos dez buddhas conjuntamente.

O encarregado de disciplina junto com todos os praticantes fazem gasshô, e em seguida recitam o seguinte:

O Buddha completamente puro, Vairochana, que é a encarnação do Dharma mesmo;
O Buddha completo que foi recomeçando por seu treinamento prévio;
O Buddha Shakyamuni, um dos muitos Buddhas que apareceram nos vários mundos;
O Buddha Maitreya, que aparecerá no futuro;
Todos buddhas, em todas as direções e nos três mundos;
O grande e excelente Sutra do Lótus; 
O bodhisattva sagrado Manjushri;
O grande e sábio bodhisattva Samantabhadra;
O grande e compassivo Avalokiteshvara; 
A todos os bodhisattvas e antecessores; 
A Mahaprajnaparamita.

Com isto, o encarregado da disciplina prossegue:

No começo, o malho soará o buddha no pé;
Mais tarde contudo, soará na cabeça.

Se a refeição for um desjejum comum ou almoço, o encarregado da disciplina soará novamente os blocos de madeira, dizendo o seguinte:

Tendo tomado refúgio nos Três Tesouros, todos serão capazes de os
Apreender perfeitamente.

Quando os nomes dos dez buddhas tiverem sido recitados, o encarregado da disciplina soará os blocos de madeira mais uma vez. Para demonstrar que um verdadeiro praticante tem vontade de oferecer comida a todos os seres, o júnior principal faz gasshô e recita o seguinte verso em voz alta:

Para o desjejum:

Que os dez benefícios venham ao mingau que consumimos nesta manhã
E que todos os praticantes derivem benefícios disto; 
Já que estes resultados maravilhosos são de fato sem limites
A felicidade virá a nós durante toda a eternidade. 

E durante o jantar:

Já que eu ofereci os Três méritos e os seis sabores 
A todos os Buddhas e seus monges
Todos os seres sensíveis dentro do universo 
Poderão derivar benefícios desta oferenda.

Quando o júnior principal não estiver de corpo presente, o monge em seguida a ele na hierarquia recitará os versos acima mencionados. Um praticante entra então e diz em voz alta e clara: "O desjejum está servido." Este praticante deverá entra no salão de meditação pela esquerda da porta, reverência a Manjushri novamente e faz gasshô. As palavras devem ser ditas destacadamente e nenhum erro deverá ser feito ao levar isto a cabo, já que se estas palavras forem pronunciadas com qualquer erro que seja, a refeição não poderá ser consumida. Caso isto aconteça, o anúncio deve ser repetido. O júnior principal reverencia a comida diante de si e medita; e então ele e todos os praticantes dão início à refeição. Se um doador tiver oferecido dinheiro ou comida, o encarregado de disciplina vem por trás da estátua de Manjushri, reverencia o júnior principal e lhe pede que agradeça os presentes recebidos. O encarregado de disciplina bate os blocos de madeira uma vez e o júnior principal recita o verso de agradecimento em voz alta:

Os dois tipos de benefícios, material e espiritual, 
Têm a característica do mérito insondável; 
Agora que foram realizados nesta boa ação
Tanto uns quanto outros ficam felizes com isto.

O arroz deve ser servido com o máximo cuidado e nunca às pressas, pois se for servido as carreiras, aqueles que o recebem desta forma ficarão perturbados em suas refeições; contudo, também não muito vagarosamente, pois quem o recebe acaba ficando cansado de tanto esperar. O arroz é servido por aqueles cuja função é agir como serventes da comida; ninguém que estiver sentado no tan poderá se servir por si mesmo. A primeira pessoa que é servida é sempre o júnior principal; o superior é sempre servido em último lugar. Quando este serviço é realizado, as mãos e as bordas das tigelas não deverão ficar sujas de comida ou sopa. Para fazerem saber a quantidade que desejam comer, aqueles sentados no tan deverão segurar uma colher em suas mãos direitas, com suas tigelas em direção ao peito e o cabo em direção àquele que está servindo. O cabo deve ser elevado gentilmente duas ou três vezes quando a quantidade suficiente tiver sido colocada na tigela, e o corpo movido levemente. A quantidade de comida servida depende apenas disto. A mão que não está sendo usada não deverá jamais, em hipótese nenhuma, ficar pendurada quando uma tigela de sopa ou outra tigela estiver sendo oferecida; deverá ficar sempre em gasshô com a mão que sobrou. Praticantes não podem espirrar ou tossir quando recebendo a comida. Mas se isto for inevitável, o praticante deve dar as costas. Os preceitos do Buddha devem ser sempre observados quando se tem a panela de arroz.

Devemos ser respeitosos quando recebemos comida, pois o Buddha mesmo o disse. Devemos procurar sempre nos lembrar disto. Quando recebemos a comida, a tigela deve ser retida horizontalmente com ambas mãos por sob a mesma. Apenas a justa quantidade de poderá ali ser servida; não devemos colocar jamais tanta comida que não possa ser consumida e aqueles que estiverem servindo deverão ser notificados quando a quantidade justa for suficiente com o erguer dos dois dedos da mão direita. Quando a comida tiver sido recebida, não deverá ser consumida precipitadamente, tirando a colher do praticante que estiver servido, nem poderá alguém receber a comida daquele que serve e a quem tenha sido dado nossa própria colher ou talheres para tal. Já foi enfatizado por um de nossos antecessores que devemos ter a mente correta quando recebemos a refeição, segurando a tigela horizontalmente. tanto a tigela do arroz quanto a de sopa deverão ser enchidas e ingeridas em sequência regular. Não se poderá consumir a refeição com os joelhos para cima. Quem estiver encarregado de servir deve cuidar que nem um só grão de arroz ou uma só gota de sopa seja derramada em uma tigela alheia; se o for, o serviço deve ser repetido. As tigelas não podem ser levantadas e nem as refeições consumidas até que o encarregado da disciplina bata o bloco de madeira para anunciar que a comida já foi toda servida.

Quando este bloco for soado, os praticantes farão o gasshô, se inclinarão para suas comidas e recitarão o Verso dos Cinco Pensamentos:

Primeiramente partilharemos os méritos desta refeição com os Três Tesouros do Dharma;
Em seguida os partilharemos com os quatro benfeitores, o Buddha, o imperador, nossos pais e todos os demais seres.
Em terceiro lugar, dividiremos com os seis reinos;
Com todos estes dividiremos e a todos ofereceremos isto.
A primeira mordida é para debelar todo o mal;
A segunda dentada é para que possamos treinar perfeitamente; 
A terceira é para ajudar a todos os seres; 
Rogamos que todos possam se iluminar.
Devemos pensar sinceramente pelos meios e formas pelos quais esta comida chegou até nós.
Devemos fazer uma avaliação de nossos méritos ao aceitar esta refeição.
Devemos nos proteger do erro excluindo a cobiça de nossa mente.
E só consumimos para que não morramos de fome e para que esta comida nos dê forças para que possamos chegar à iluminação.

Oferendas de arroz para os demônios famintos não poderão ser realizadas antes que estes versos tenham sido recitados. Para realizar esta oferenda, sete grãozinhos de arroz são colocados no cabo do pau utilizado para enxaguar as tigelas ou na quina da cobertura laqueada. A oferenda é sempre feita com o polegar e o dedo médio da mão direita. Se a comida servida for bolinhos de arroz ou macarrão, neste caso, podemos separar sete centímetros de macarrão, como acima foi descrito; se a refeição consistir apenas de mingau, nenhuma oferenda será feita, apesar de ter havido uma época anterior quando isto era realizado; contudo, nenhuma colher ou talher era utilizado para tal propósito. Depois que termina esta oferenda, todos os praticantes fazem gasshô e ficam quietos.

A maneira correta de se tomar o desjejum é a seguinte: o mingau é recebido na primeira das tigelas do conjunto, que é então recolocada em seu lugar. Após uma breve espera, a segunda tigela é tomada com a mão direita, colocada na palma esquerda e ali segura pelo polegar em cima, que fica ligeiramente voltado para dentro. A colher é tomada na mão direita e sete ou oito colheres de mingau são transferidas da primeira tigela para a segunda, esta última estando segura do lado esquerdo da primeira. A borda da segunda tigela é levada aos lábios, e o mingau poderá se consumido com o uso da colher. Todo mingau é tomado assim, por repetições nesta sequência. Se sobrar mingau na primeira tigela, a segunda deve ser recolocada na mesa, a primeira tigela pega novamente e o mingau ali achado consumido com a colher. A primeira tigela é então limpa com o pauzinho de lavar tigelas e recolocado em seu lugar. A segunda tigela é tomada e qualquer sobra de mingau consumida; o praticante não deve ficar esperando a água que será trazida para a lavagem das tigelas depois que limpar com o pauzinho apropriado para lavar e enxaguar as tigelas.

A maneira correta de se consumir o almoço é a seguinte: a primeira tigela é elevada até a altura da boca e o arroz é neste nível ingerido. Não podemos deixar meramente esta tigela na mesa nem ser a mesma levada até os lábios. O Buddha nos disse que a comida deverá ser consumida respeitosamente e jamais arrogantemente, pois neste caso seríamos iguais à crianças ou à prostitutas. A parte superior da tigela é tida como pura e a parte inferior como impura. A primeira tigela é segura com os dedos por baixo e o polegar na borda. O quarto e o quinto dedos mantidos longe da mesma.

Na Índia longínqua o Buddha Shakyamuni e seus discípulos não utilizavam nem colheres nem talheres, simplesmente consumindo o arroz com suas mãos direitas. Nós buddhistas do dia presente devemos estar cientes deste fato. Muitas entidades celestes, monarcas universais, imperadores, também seguiam este costume acima. Esta era a forma antiga de proceder. Apenas monges que se encontravam por acaso doentes se utilizavam de colheres; todos os demais comiam com suas mãos. Na Índia jamais sequer ouviram falar de talheres. Este costume de se usar talheres pode apenas ser encontrado na China e em certos outros países e é tão somente por causa destes hábitos locais que são utilizados em mosteiros zen. Os preceitos buddhistas devem ser seguidos em todos os momentos; contudo, o costume de comer com as mãos já de há muito desapareceu. Já que não mais temos mestres a quem possamos recorrer neste tradicional Caminho, usamos normalmente uma colher, talheres e tigelas.

Ao pegar ou trocar de tigelas , colheres e talheres, nenhum barulho poderá ser feito, nem poderá o arroz ser mexido com a colher. Somente praticantes que se encontrarem doentes poderão pedir comida extra. As tigelas sobressalentes não poderão ser enchidas de arroz, nem pode alguém ficar fitando a tigela do vizinho ou pertubá-lo de alguma forma. O almoço deve ser ingerido cuidadosamente; grandes quantidades de arroz não poderão ser entulhadas de uma só vez na boca nem poderão bolas de arroz serem feitas e jogadas para dentro da boca. Nem que seja um só grão de arroz que porventura tenha caído na mesa poderá ser comido novamente; não se pode ficar dando estalidos com os lábios enquanto se mastiga o arroz e não se pode mastigar enquanto se toma sopa. O Buddha nos transmitiu que tampouco poderemos ficar lambendo os beiços enquanto comemos. Tudo isto deve ser bem estudado e assimilado. As mãos não podem também ficar balançando ao vento enquanto comemos; os cotovelos não podem ser apoiados no joelhos nem pode a comida ser remexida. Buddha disse que não podemos jamais ficar remexendo a comida como se fossemos um cozinheiro, deixando assim nossas mãos ficarem sujas, nem consumir a refeição fazendo muito ruído. Buddha também disse que a comida não pode ser acumulada, nem as tigelas enchidas até transbordar; que a sopa não pode ser derramada na comida com se fossemos enxaguar a tigela de comida; que outro tipo de comida não poderá se misturar àquela da tigela; que outra comida não pode ser colocada no arroz, nem podemos comer diretamente com a boca, como fazem os macacos.

As refeições não podem ser tomadas nem muito rápido nem muito devagar no salão de meditação. É falta de educação comer tudo tão rapidamente que se fique a encarar os outros de braços cruzados, enquanto estes estão ainda a comer. Barulho é proibido com as tigelas nem se pode fungar enquanto se espera que quem serve anuncie: "Quem quiser repetir, será agora servido". Nenhum grão de arroz poderá deixar de ser consumido ou qualquer outra coisa que foi requisitada. Não é permitido que se fique a coçar a cabeça durante a refeição; não devemos deixar que caspa caia em cima da tigela e as mãos deverão estar limpas. Não podemos ficar sacudindo o corpo; os joelhos não podem ser suspensos ou seguros; bocejar é completamente proibido, nem podemos assoprar pelo nariz violentamente. Se vier uma crise de espirros, o nariz deverá ser tampado cuidadosamente com a mão. Se comida ficar encravada nos dentes, deve ser removida com uma das mãos escondendo a outra da vista dos outros. Sementes de frutas e cascas deverão ser colocadas escondidas para que não ofendam a vista de outros, um bom lugar para tal sendo a parte de cima da cobertura laqueada em frente à tigela, que fica ligeiramente escondida pela orla da tigela; não devemos permitir jamais que outros fiquem enojados tendo de ver este tipo de coisas. Não se pode dar sobras ou comida a outros, nem pode isto ser recebido. Aqueles que estão a servir não podem se utilizar de um leque no salão de meditação durante o calor de verão, especialmente se um praticante ao lado ficar amolado com isto. Se alguém sentir frio durante a refeição, que fale ao encarregado de disciplina e vá tomar sua refeição em alguma outra parte. Se ao fim da refeição comida ficar sobrando na tigela, deve ser enrolada no pano dos pratos. Não podemos ficar de boca aberta, nem pode o arroz ser deglutido em grandes porções; arroz não pode ser retido na primeira tigela nem pode a colher se sujar. Buddha afirmou que não devemos ficar esperando a comida de boca aberta, nem se pode falar de boca cheia. Disse também que praticantes não devem ficar tentando obter comida extra cobrindo e ocultando a comida em suas tigelas com arroz, ou cobrindo o arroz com outra coisa qualquer. Devemos atentar com todo cuidado para estes conselhos. Buddha disse de outra feita que tampouco línguas devem emitir estalidos durante as refeições, lábios não podem ser lambidos, nem comida assoprada, seja quente ou fria. Isto também deve cuidadosamente ser lembrado. Depois do desjejum, todas as tigelas devem ser enxaguadas com o pauzinho com o qual se lava as tigelas. Se cada colherada for ajeitada cuidadosamente três vezes antes de ser consumida, ficará de bom tamanho. Buddha disse que ao comer bolas de arroz, estas não devem ser nem muito grandes em muito pequenas.

Toda a concha da colher deve se completamente inserida na boca quando se come, a menos que a comida seja derramada. Nenhuma comida ou arroz deve ser derrubada no guardanapo. Se qualquer comida que seja for encontrada no guardanapo, deve ser entregue ao que está servindo a refeição. Se qualquer arroz com casca for encontrado em sua porção, deve ser descascado e em seguida consumido. Não deve ser jogado fora, nem engolido antes de ser descascado.

No Sutra das Três Mil Maneiras é dito que se algo de desagradável for acaso encontrado na comida, não deve ser consumido, nem pode a presença de tal coisa desagradável ser notificada a um praticante ao lado; se sobrar arroz na tigela, não deve ser mostrado a um outro veterano qualquer, mas entregue ao que está encarregado de servir a refeição. Quando houver acabado a refeição, todos devem estar satisfeitos e nada pedir que seja extra. Tanto do ponto de vista racional quanto do prático, se deverá procurar evitar o desperdício de seja um só grão de arroz durante as refeições; o universo inteiro está completamente identificado com a refeição. Não se poderá batucar as tigelas seja com os talheres, seja com a colher, nem é permitido que o lustre das tigelas seja ofuscado. Se as tigelas perderem seu brilho, ficarão inúteis e acumularão sujeira e poeira. Quando a água for sorvida das tigelas, nenhum barulho de sorver deverá ser emitido pela boca, nem se poderá devolver a água à tigela ou a outros utensílios. O rosto e as mãos não poderão ser limpos com o guardanapo.

Para lavar as tigelas, as mangas do koromo devem ser cuidadosamente enroladas, para que nada toquem; então a água quente ou fria deve ser entornada na primeira tigela. Depois de recebida a água, a tigela deve ser cuidadosamente lavada com o pauzinho de enxaguar tigelas, a tigela sendo caprichosamente volteada da esquerda para a direita. A água usada é vertida para a segunda tigela, e a primeira tigela é meticulosamente lavada novamente, por dentro bem como por fora, com o pauzinho de enxaguar, revolvendo-se a tigela com a sinistra e segurando-se o pauzinho com a destra. A tigela é então segura na sinistra enquanto que o pano de prato é desdobrado com a destra e estendido como se para cobrir toda a tigela. A tigela é então tomada em ambas as mãos e esfregada com o pano de prato desdobrado, sendo volteada da esquerda para direita ao esfregar. O pano de prato é colocado na tigela para que não possa ser vislumbrado por quem está do outro lado, e a tigela recolocada em seu lugar de origem. A colher e os talheres são em seguida enxaguados e esfregados com o pano de prato. Durante toda esta operação, o pano de prato deverá ser mantido na primeira tigela para que com isto permaneça longe da vista dos demais, apenas um ponto dele sendo utilizado para secar as colheres e os talheres. Quando colheres e talheres tiverem todos sido bem lavados, devem ser colocados no saco de talheres. A segunda tigela é então enxaguada na terceira; e ela e o pauzinho de enxaguar tigelas são seguros levemente com a mão esquerda; a terceira tigela é tomada na mão direita e colocada no lugar que era ocupado pela segunda. A água será então vertida para a terceira tigela e a segunda tigela lavada na terceira da mesma forma que a primeira o havia sido. A mesma sequência para lavar é usada para as terceiras e quartas tigelas. Nenhuma colher, talher ou tigela pode ser lavada na primeira tigela. Então a primeira tigela é lavada e esfregada, depois a colher, o talher, a segunda tigela, a terceira e quarta tigelas. Todas as tigelas são enfiadas na primeira separadamente, a medida que cada uma for sendo lavada; então o pauzinho de enxaguar tigelas é esfregado e enfiado no saco de talheres por sua vez. O guardanapo não poderá ser dobrado antes que a água suja tenha sido posta fora. Não se pode de forma alguma meramente jogar esta água no chão. O Buddha disse: "Comida que sobra não pode ser jogada nesta água". Este ponto requer nosso cuidadoso estudo. Quando o balde d'água suja for passado, praticantes devem fazer gasshô e esvaziar esta dita água nela, atentando para que não se molhem com a mesma. A mão não pode ser lavada nesta água, nem pode esta ser jogada fora num lugar de lixo. A segunda, terceira e quarta tigelas são encaixadas na primeira com os polegares apenas, na ordem reversa com a qual foram tirados fora.

A primeira tigela é então suspensa com a mão esquerda e colocada no meio da coberta das tigelas, sendo que a cobertura laqueada de mesa é então removida com o uso da mão direita. Esta cobertura de mesa é então dobrada com as mãos sobre o cimo da primeira tigela e colocada em cima dela. As tigelas são cobertas com o paninho, um dos fins colocado por cima das tigelas e o outro fim dobrado em direção ao praticante. O guardanapo é dobrado na cobertura e o saco de talheres em cima do guardanapo. Originalmente o pauzinho de enxaguar tigelas era colocado em cima do guardanapo, mas agora é colocada no saco. O pano é colocado em cima do saco de talheres e os dois outros são amarrados sobre as tigelas. O nó final deve estar voltado para a direita, para indicar o lugar correto das tigelas e para tornar o desatar do nó mais simples. Depois que as tigelas foram atadas, os praticantes fazem gasshô e ficam calmamente sentados. O bloco de madeira é soado uma vez pelo assistente da estatua de Manjushri. Isto quer dizer que os praticantes podem então deixar o salão de meditação.

O praticante sentado à esquerda do assistente do mosteiro, no gaitan, ergue-se de seu assento, reverência a estatua de Manjushri, se dirige para o lado oeste do bloco de madeira do lado sul do incensório, reverência o bloco de madeira, faz gasshô, e espera que o superior e demais praticantes acabem de atar suas tigelas. Quando todos o tiverem feito, ele soa o bloco de madeira uma vez, cobre o malho com a coberta do malho, faz gasshô e novamente reverência o bloco. O encarregado de disciplina recita então o seguinte:

O universo é como o céu sem limites, 
Como a flor do lótus sobre a água enlameada;
Pura e alem do mundo é a mente do praticante; 
Ó Buddha sagrado, tomamos refúgio em Ti.

O Superior Eisai transmitia esta tradicional forma de terminar as refeições, e por isto costumamos fazer o mesmo.

O Superior deixa então o salão. Ao deixar sua cadeira, o assistente da estátua de Manjushri deve imediatamente deixar o lugar onde se quedava em pé ao lado do bloco de madeira e ocultar-se atrás da cortina da estátua de Manjushri, a menos que o Superior o possa ficar vendo.

Os praticantes então se erguem e arrumam suas tigelas em cima de seus assentos. As tigelas devem ser seguras com ambas as mão enquanto os praticantes se levantam, voltando-se para a direita e colocando as tigelas sobre seus assentos com a mão direita, pendurando-as no gancho enquanto as levantaram com a mão esquerda. Os praticantes fazem então gasshô, voltam à quina do tan e descem lentamente. Envergando suas sandálias, reverenciam uns aos outros. Quando o chá for consumido no salão de meditação, o comportamento será o mesmo que o descrito acima, e o métodos de montar e de descer do tan são sempre os mesmos em qualquer ocasião.

As almofadas serão colocadas sob o tan, e os praticantes deixam então o salão de meditação. Quando o superior deixar o salão, o fim do zazen matinal será anunciado por três batidas do sino. Se o zazen for continuado, o sino não será tocado. Contudo, se um doador pedir aos praticantes que se dirijam ao salão de meditação, estes o devem fazer mesmo que o sino já tenha sido tocado. O sino deve ser soado novamente para dar o anuncio do fim do zazen matinal. Quando o chá tiver findado de tarde e o superior reverência do Manjushri e deixado o salão, o sino será tocado três vezes para avisar os praticantes que deixem o salão e então todos descem do tan. Deixam o salão da mesma forma que entraram, como acima descrito. A única forma de caminhar dentro do salão de meditação deve ser a do kin'hin, meio passo para cada respiração, como é feito durante o kin'hin, nos intervalos do zazen.

Extraído do Shôbôgenzô de Dôgen Zenji (1200-1253).
Adaptado da tradução do monge Ryokyu Marcos Beltrão.


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