Ecos do Silêncio — Textos Zen


Os Dois Tipos de Renúncia

Keizan Jôkin


Quando Upagupta raspou sua cabeça com a idade de dezessete, Shanavasa perguntou a ele, "Você está deixando o lar em corpo ou mente?" No buddhismo, há basicamente dois tipos de [renúncia, isto é, de] deixar o lar — a do corpo e a da mente.

Aqueles que deixam o lar fisicamente abandonam os sentimentos social e pessoal, deixam seu lugar natal, raspam suas cabeças, vestem-se de preto e não têm quaisquer servos, tornando-se monges. Trabalham sobre o caminho vinte e quatro horas por dia, então não perdem tempo e não têm desejos estranhos. Portanto, não são felizes por estarem vivos e não temem morrer. Suas mentes são como a claridade pura da lua de outono, seus olhos são como a perfeição de um espelho brilhante. Não procuram a mente ou uma essência; nem mesmo praticam as verdades sagradas, muito menos têm quaisquer apegos mundanos. Deste modo, não permanecem no estado dos mortais comuns nem são confinados ao estado dos sábios e santos — são viajantes sem mente. Estas são as pessoas que deixaram o lar fisicamente.

Aqueles que deixaram o lar mentalmente não raspam seu cabelo nem usam roupas especiais. Apesar de viverem em casa e de estarem no meio dos problemas do mundo, são como lótus não maculados pelo barro, como jóias não afetadas pela poeira. Apesar de poderem ter esposas e filhos, de acordo com as circunstâncias, não são apegados a eles. Como a lua no céu, como uma pérola rolando em uma tigela, vêem aquele que está livre no meio de uma cidade agitada, entendem além do tempo enquanto estão no mundo, sabem que "até mesmo cortar as paixões é uma doença" e realizam que "objetivar pela verdadeira talidade também é errado". Para eles, tanto o nirvana quanto o samsara são ilusões; não estão preocupados nem com a iluminação nem com a aflição. Estas são as pessoas que deixaram o lar mentalmente.

Portanto Shanavasa perguntou a Upagupta, "Você está deixando o lar física ou mentalmente?"

(Adaptado de Keizan, Transmission of light: Zen in the art of enlightenment.
Tradução e introdução de Thomas Cleary. San Francisco: North Point Press, 1990. Pág. 21-22.)


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