Ecos do Silêncio — Textos Zen


O Samadhi do Espelho

Taisen Deshimaru Roshi


Durante uma conferência, o Buddha Shakyamuni tomou de uma flor e fê-la girar delicadamente entre os dedos. Os discípulos presentes não lhe compreenderam o gesto e apenas Mahakashyapa sorriu... Disse-lhe, então, o Buddha:

— Apenas tu compreendeste o segredo do nirvana, meu maravilhoso espírito; ei-lo, é teu.

É o samadhi do espírito do Buddha.

O espírito do Buddha é como um espelho e o espírito de Mahakashyapa se refletia nele. A imagem refletida era um espírito perfeitamente puro, o espírito original, em perfeita e total unidade com o espírito do Buddha. O Buddha era o espelho. O espírito de Mahakashyapa penetrou o espelho. Só o karma, só a forma de Mahakashyapa penetrou o espelho. Só a forma de Mahakashyapa olhava para o espelho; mas o reflexo do espelho não era Mahakashyapa, senão o espírito perfeitamente original, puro, em perfeita unidade com o espírito do Buddha, com a luz de Buddha.

O reflexo de Mahakashyapa tornara-se o Buddha. Mahakashyapa olhava objetivamente para o seu espírito no espírito do Buddha. E isso Mahakashyapa compreendera:

A imagem no espelho sois vós,
Mas vós não sois a imagem;
Vossa existência não é a imagem do espelho.

Quando o contemplamos, o espelho não fabrica o reflexo por si só. Não lhe é dado captar a forma. Faz-se mister a combinação dos dois.

Ainda que o espelho exista, se não olharmos para ele não veremos reflexo.

As relações da consciência e da sabedoria com o cosmo são as mesmas que existem entre o espelho, o reflexo e a forma.

Até a nossa morte não podemos ver o nosso rosto. Só conhecemos o reflexo do espelho, nunca nos contemplamos diretamente. Devemos passar pelo reflexo no espelho. Mas o espelho não é a verdade, é apenas um espelho.

Quinhentos macacos observam o reflexo da Lua na água e pensam: "Que fruto maravilhoso, vamos comê-lo?" Todos juntos, desde o vale até o lago, dão-se as mãos para ir colher o fruto maravilhoso da Lua que aparece na água, e todos caem no lago.

Querer meter o céu num balde. Querer agarrar o vento e tentar amarrá-lo com uma corda. Nossa civilização é assim, e por isso está dito no Shodoka: não se deve tentar pegar a Lua no balde, nem o vento no céu.

No zazen, temos ilusões provocadas pelos cinco sentidos: a cor, a voz, o olfato, o gosto, o tato. Ainda que tenhamos sensações, não devemos inquietar-nos com elas, pois o samadhi, a concentração do espelho, não é manchado por elas.

Não se deve separa shiki e (fenômeno e essência), é precioso abandonar os dois, tanto shiki quanto .

Não devemos estabelecer categorias. Na vida cotidiana, nas discussões, é sempre assim: "Estou certo, mas tu não estás."

Queremos estar sempre competindo com os demais.

Assim, nos sutras, no nirvana, no lótus, no diamante [vajra] corta, o monge zen fala com uma língua sem osso: isso significa que ele deve falar em todas as direções, abranger as contradições, sem oposição.

(Deshimaru, Taisen. O Anel do Caminho: Palavras de um Mestre Zen.
Textos reunidos e redigidos por Evelyn de Smedt e Dominique Dussaussoy;
tradução de Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Pensamento, 1995.
Pág. 43-44. Clique aqui para adquirir o livro.)


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