Ecos do Silêncio — Textos Zen


A Sabedoria Imóvel de Todos os Buddhas

Takuan Sôhô


Imóvel é aquilo que não se move. Sabedoria é a sabedoria da inteligência.

Embora se diga que a sabedoria é imóvel, ela não é como um objeto inanimado, um pedaço de madeira ou uma pedra. Ela se move assim como a mente está habituada a se mover: para frente e para trás, para a esquerda e para a direita, nas dez direções e ruma aos oito pontos; e a mente que jamais se fixa é chamada sabedoria imóvel.

Fudô Myô-ô [sânsc. Achalanatha Vidyaraja, Rei Iluminado Imóvel, uma das cinco divindades de sabedoria, considerado uma manifestação da verdadeira natureza de todos os seres vivos,] empunha uma espada com a mão direita e segura uma corda com a esquerda. Ele mostra os dentes e o brilho da ira reluz em seus olhos. Firme e forte, ele está pronto para derrotar os maus espíritos que combatem o Dharma do Buddha. Ele não está oculto em algum lugar específico. Sua figura é a de um protetor do buddhismo e a sua forma é a da sabedoria imóvel. Eis o que se mostra a todos os seres.

Vendo essa figura, o homem comum sente medo e renuncia a ser um inimigo do buddhismo. O homem próximo da iluminação compreende que ela manifesta a imóvel e se desfaz de toda ilusão. Assim como os maus espíritos não têm acesso a Fudô Myô-ô, assim também não o têm ao homem que faz transparecer a sua sabedoria imóvel e é capaz de praticar na mente esse Dharma. É esse o propósito das saudações a Fudô Myô-ô.

Diz-se que o que se chama Fudô Myô-ô é a mente imóvel e o corpo irresistível. Irresistível é aquilo que não é detido por nada. Imóvel é olhar para algo e não fixar a mente. Isso porque, quando a mente se fixa em algo, o peito se enche de juízos e é agitado por vários movimentos. Quando esses movimentos se esgotam, a mente fixada se move, mas na verdade não se move de maneira alguma. [...]

Considere Kannon de mil braços [sânsc. Sahasrabhuja Avalokiteshvara], que tem mil braços saindo de um só corpo. Se a mente se fixar no braço que segura um aro, os demais novecentos e noventa e nove braços serão perfeitamente inúteis. É porque a mente não se detém em um determinado lugar que todos os braços são inúteis. Quantdo a Kannon, por que ela tem mil braços ligados a um só corpo? Essa figura foi criada com a intenção de revelar aos homens que, mesmo que um corpo tenha mil braços, cada um deles será útil se a sua sabedoria for libertada.

Suponha que você se depare com uma árvore. Se olhar para uma única folha vermelha, não verá nenhuma das outras. Quando o olho não se volta para nenhuma folha em particular e você olha a árvore com a mente absolutamente vazia, o olho é capaz de captar um número ilimitado de folhas. Mas quando uma única folha prende o olhar, é como se as demais folhas não estivessem lá. Aquele que compreendeu isso é idêntico a Kannon de mil Braços e mil Olhos.

O homem comum crê, muito simplesmente, que ela é abençoada por ter mil braços e mil olhos. O homem de sabedoria imatura, perguntando-se como alguém pode ter mil olhos, afirma ser ela uma mentira e cede à blasfêmia. Mas o homem dotado de alguma compreensão tem uma crença reverente baseada nos princípios e não precisa nem da fé simples do homem comum nem da blasfêmia do outro; ele compreende que o buddhismo, por meio desse único objeto, manifesta mui bem o seu princípio.

Todas as religiões são assim. Percebi que o shintoísmo, em especial, é assim. O homem comum tem um pensamento superficial. Aquele que ataca o buddhismo é ainda pior. Esta religião, aquela religião — existem várias, mas, no seu ponto mais profundo, todas elas chegam a uma única conclusão.

(Sôhô, Takuan. A mente liberta: escritos de um mestre Zen a um mestre da espada. Traduzido do japonês por William Scott
Wilson, traduzido do inglês por Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 1998. Pág. 23-26. Para adquirir o livro, clique aqui.)


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