Ecos do Silêncio — Textos Zen


Mondos e Kôans

Transmitindo o Intransmissível


Shakyamuni deixou seu palácio em uma noite, quando tinha dezenove anos de idade, e raspou seu cabelo. Depois disso, passou seis anos praticando exercícios ascéticos. Subseqüentemente, ele se sentou sobre um assento indestrutível, tão imóvel que havia teias em suas sobrancelhas, um ninho de pássaro sobre sua cabeça e canos crescendo em seu assento. Assim ele se sentou durante seis anos. Em seu décimo terceiro ano, no oitavo dia do décimo segundo mês, ele foi subitamente iluminado quando a estrela d'alva apareceu. Então ele falou as seguintes palavras, seu primeiro rugido de leão:

Eu e todos os seres sobre a terra, juntos, atingimos a iluminação ao mesmo tempo.

Depois disso ele passou quarenta e nove anos ajudando os outros ensinando, nunca permanecendo em reclusão. Com apenas um robe e uma tigela, não sentia falta de nada. Ensinou para mais de trezentas e sessentas assembléias e então finalmente transmitiu o tesouro do olho do Dharma a Mahakashyapa, e sua transmissão continuou até o presente. De fato, esta é a raiz da transmissão e prática do verdadeiro ensinamento [do Zen] na Índia, China e Japão.


Parte I - Transmissões na Índia

1. De Shakyamuni para [Maha-]Kashyapa

Kashyapa nasceu em uma família brâmane. Em sânscrito, Kashyapa significa "Bebedor de Luz". Quando nasceu, uma luz dourada preencheu a sala e então foi para a sua boca. Por isso ele foi chamado Kashyapa, Bebedor de Luz. Seu semblante era dourado e ele tinha trinta das trinta e duas marcas da grandeza. Kashyapa encontrou o Buddha em um santuário conhecido como o Santuário das Muitas Crianças. O Buddha disse, "Seja bem-vindo, monge." Kashyapa já tinha raspado sua cabeça e colocado uma veste de trapos. Então o Buddha transmitiu a ele o tesouro do olho do Dharma. Kashyapa praticou austeridades e nunca perdeu qualquer tempo.

Vendo apenas a feia magreza de seu corpo e a pobreza de sua roupa, todos tinham dúvidas sobre Kashyapa. Por causa disso, toda vez que o Buddha ia dar um ensinamento em algum lugar, ele compartilhava seu assento com Kashyapa, que a partir de então passou a ser o membro sênior da comunidade. Kashyapa era não apenas o membro sênior da comunidade de Buddha Shakyamuni; ele foi o líder intrépido das comunidades de todos os Buddhas do passado. Você deve saber que ele foi um antigo Buddha — não o classifique apenas com os outros discípulos do Buddha.

Diante de uma assembléia de oito mil na Montanha Espiritual [Ghridakuta, o Pico dos Abutres], o Buddha levantou uma flor e piscou seus olhos. Ninguém sabia o seu significado, todos permaneceram em silêncio. Então Kashyapa, sozinho, deu um sorriso. Então o Buddha disse:

Tenho o tesouro do olho do Dharma, a mente inefável do nirvana. Estes eu transmito a Mahakashyapa.


2. De Mahakashyapa para Ananda

Ananda era da casta guerreira, um primo do Buddha Shakyamuni. Em sânscrito, Ananda significa "Felicidade" ou "Alegria"; ele nasceu na noite da iluminação do Buddha e era tão extraordinariamente belo que todos ficam felizes ao vê-lo — daí vem o seu nome.

Ananda era o mais destacado no aprendizado, intelectualmente brilhante e vasto em entendimento. Ele foi o atendente do Buddha durante vinte anos, propagou todos os ensinamentos de Buddha e estudou todas as maneiras do Buddha. Quando o Buddha transmitiu o tesouro do olho do Dharma a Mahakashyapa, ele também instruiu Ananda a ajudar a comunicar o ensinamento. Então, Ananda acompanhou Kashyapa  por mais vinte anos e tornou-se totalmente familiar com todo o tesouro do olho do Dharma.

Quando Kashyapa estava indo compilar os ensinamentos deixados pelo Buddha, não se permitiu que Ananda participasse porque ele ainda não tinha atingido a realização. Então Ananda meditou cuidadosamente e logo atingiu a santidade. quando foi para a sala onde os ensinamentos estavam sendo compilados, Kashyapa disse que, se tinha atingido a realização, ele deveria entrar por uma exibição de poderes sobrenaturais. Então ananda apareceu em um pequeno corpo e entrou pelo pelo buraco da fechadura. assim ele finalmente foi capaz de entrar.

Todos os discípulos disseram, "Ananda era o atendendo do Buddha, então ele ouviu muito e estudou amplamente. É como um copo d'água despejado em outro copo, sem derramar qualquer coisa. Vamos pedir a Ananda que recite os ensinamentos para nós." Então Kashyapa disse a Ananda, "Todos estão esperando que você recite os dizeres do Buddha." Então Ananda, que tinha mantido a transmissão do Buddha dentro de si, e que tinha agora recebido este pedido do mestre Mahakashyapa, começou a recitar todos os ensinamentos do tempo do Buddha.

Kashyapa disse aos discípulos, "Isto é diferente em algo do que o Buddha ensinou?" Os discípulos disseram, "Não é diferente." Os discípulos no séqüito eram todos grandes santos com os seis superconhecimentos, incluindo o conhecimento de vidas passadas, clarividência e conhecimento do fim da contaminação eles não esqueceram qualquer coisa que ouviram. Com uma voz disseram, "Isto é a segunda vinda do Buddha ou Ananda falando?" eles disseram em louvor, "As águas do oceano do ensinamento de Buddha fluíram para Ananda." Os ensinamentos do Buddha que vieram até o presente são aqueles ditos por Ananda. Ele ainda seguiu o mestre Mahakashyapa por vinte anos e foi grandemente iluminado pela primeira vez neste evento.

No passado distante, Ananda despertou a aspiração pela completa iluminação perfeita na presença do Buddha chamado Shunyataraja, Rei da Vacuidade, ao mesmo tempo que o presente Buddha Shakyamuni. Ananda estava aficionado de aprendizado intelectual e é por isso que ele ainda não tinha realizado a iluminação. Shakyamuni, por outro lado, cultivou energia, pela qual atingiu a iluminação. Certamente, muito aprendizado acadêmico é uma mácula sobre o caminho — aqui está a prova disso. É por isso que o Avatamsaka Sutra diz, "Muito aprendizado sem aplicação prática é como um homem pobre contando os tesouros de outra pessoa, sem ter meio centavo para si." Se você quiser descobrir o que este caminho realmente é, não seja aficionado por aprendizado acadêmico, seja apenas energético na prática progressiva.

Entretanto, há algo além da entrega do robe. Assim, Ananda disse uma vez ao mestre Mahakashyapa:

Ananda: O Buddha deixou o robe dourado a você; o que mais ele transmitiu?
Mahakashyapa: Ananda!
Ananda: Sim?
Kashyapa: Desça o poste do estandarte na frente frente do portão!

Ananda foi grandemente iluminado ao ouvir isto. Esse robe dourado era a vestimenta transmitida e mantida pelos sete Buddhas da antiguidade.


3. De Ananda para Shanavasa [Shanavasin]

Em sânscrito, Shanavasa significa "Roupa Natural". Quando Shanavasa nasceu, ele veio vestindo roupas. No verão, tornavam-se roupas frescas, no inverno tornavam-se roupas quentes. Quando foi inspirado a deixar a sociedade, sua roupagem comum transformou-se espontaneamente em uma vestimenta de monge. Esta veste monástica é chamada kasaya em sânscrito; isto significa "cor indefinida" e "cor não-nascida".

Shanavasa não nasceu desse modo apenas naquela vida. Quando foi um mercador em uma vida passada, ele deu mil pés de feltro a cem Buddhas, e desde então ele vestiu roupas naturais a cada vida. Geralmente as pessoas se referem ao intervalo entre abandonar da vida presente e antes de alcançar a existência futura pelo termo "existência intermediária". Durante esse tempo, não vestem roupas. Shanavasa também é o nome de uma planta indiana chamada "Beleza de Nove Ramos". Quando um santo nasce, esta planta cresce no solo claro. Quando Shanavasa nasceu, esta planta nasceu e por isso ele foi chamado Shanavasa. Ele esteve no entre por seis anos antes de nascer. No passado, o Buddha apontou para uma floresta e disse, "Nesta floresta, um monge chamado Shanavasa girará a roda do Dharma sublime cem anos após a minha morte." Shanavasa nasceu lá um século depois, eventualmente recebeu a transmissão do mestre Ananda e permaneceu nesta floresta. Girando a roda do Dharma, ele subjugou um dragão de fogo. O dragão de fogo se submeteu a ele e lhe ofereceu esta floresta. Isto estava realmente de acordo com a predição do Buddha.

Originalmente, Shanavasa foi um bruxo das montanhas do Himalaya. Depois de se tornar um discípulo do mestre Ananda, ele perguntou:

Shanavasa: Qual é a essência não-criada e fundamental de todas as coisas?
[Ananda aponta para a ponta da veste de Shanavasa.]
Shanavasa: Qual é a essência básica da iluminação dos Buddhas?

O mestre Ananda agarrou a ponta da veste de Shanavasa e puxou-a com força. Shanavasa foi então grandemente iluminado.


4. De Shanavasa para Upagupta

Upagupta era da casta dos camponeses. Conheceu o mestre Shanavasa quanto tinha quinze anos de idade, tornou-se monge quanto tinha dezessete e realizou a iluminação quando tinha vinte e dois. Quando Upagupta raspou sua cabeça com a idade de dezessete, Shanavasa perguntou a ele:

Shanavasa: Você está deixando seu lar física ou mentalmente?
Upagupta: De fato, estou deixando meu lar fisicamente.
Shanavasa: O que o Dharma sublime de todos os Buddhas tem a ver com corpo ou mente?

Ao ouvir isto, Upagupta foi iluminado. Em suas viagens para dar ensinamentos, Upagupta chegou a Mathura, onde aqueles que atingiram a liberação foram muito numerosos. Por causa disso, o palácio dos maras tremeu e Mara se angustiou e desmaiou. Quando quer que alguém atingisse a realização, Upagupta atirava um talismã do tamanho de quatro dedos em uma caverna. A caverna tinha dezoito cúbitos por doze cúbitos e foi preenchida com talismãs — isso representa quantas pessoas atingiram a iluminação. Quando Upagupta morreu, ele foi cremado com os talismãs que representavam aqueles que ele tinha iluminado. Como muitas pessoas foram liberadas por ele assim como no tempo do Buddha, Upagupta era chamado de "Buddha sem as marcas especiais".


5. De Upagupta para Dhritaka [Dhitika]

Quando Dhritaka nasceu, seu pai teve um sonho incomum: um sol dourado veio da asa e iluminou o céu e a terra. Na frente havia uma grande montanha adornada magnificamente com jóias e em seu topo brotava uma fonte nas quatro direções.

Dhritaka contou o sonho de seu pai ao mestre Upagupta, que o interpretou com clareza:

A grande montanha sou eu. A fonte brotando significa a vazão de sua sabedoria e verdade sem fim. o sol emergindo da casa é um sinal de sua presente entrada no caminho. A iluminação do céu e da terra é a transcendência através da sabedoria.

Então, ainda muito jovem, ele decidiu deixar sua casa para se tornar um monge.

Upagupta: Você pretende renunciar ao mundo. você renuncia ao mundo no corpo ou na mente?
Dhritaka: Procuro renunciar ao mundo nem pelo ou pela mente.
Upagupta: Já que não é para o corpo ou mente, então que renuncia ao mundo?
Dhritaka: Aquele que renuncia ao mundo não tem "eu" pessoal, não tem posses pessoais, então mentalmente não é despertado nem esquecido. Este é o caminho eterno. os Buddhas também são eternos. A mente não tem forma e sua essência também é assim.
Upagupta: Você precisa despertar completamente e atingir isto em sua mente.

Desse modo, Dhritaka absorveu a luz da iluminação, sua mente original.


6. De Dhritaka para Micchaka

Micchaka era um xamã da Índia central, um mago com grandes poderes sobrenaturais e oito mil seguidores. um dia, ele levou todos eles para prestar respeitos ao mestre Dhritaka.

Micchaka: No passado, ambos vivemos no paraíso da pureza. Encontrei o bruxo Asita e aprendi os métodos de bruxaria, enquanto você encontrou um buddhista completamente poderoso e praticou meditação. A partir de então, nosso aberturas diferiram e partimos em nossos caminhos separados durante seis éons, até agora.
Dhritaka: Ter passado éons separados, que lição isto é! Agora você deve abandonar o falso e retornar ao verdadeiro, pelo qual entrará no veículo da iluminação.
Micchaka: Há muito tempo atrás, o bruxo Asita predisse que depois de seis éons eu encontraria um estudante próximo e realizaria o estado de não-contaminação. Nosso encontro presente não é devido à nossa relação passada? Por favor, seja bondoso e compassivo para me liberar.

O mestre Dhritaka fez Micchaka renunciar ao mundo e aceitar os preceitos, que inspirou todos os seus seguidores a fazer o mesmo, tornando-se monges. Então o mestre Dhritaka disse:

Praticar bruxaria, assim aprendendo algo menor, é como ser arrastado por uma corda. Você deve saber por si mesmo que, se abandonar o pequeno rio e imediatamente retornar para o grande oceano, você realizará o não-criado.

Ao ouvir isso, Micchaka compreendeu sua natureza não-criada e despertou para o grande oceano da iluminação.


7. De Micchaka para Vasumitra

Vasumitra era do clã Bharadhvajra, do norte da Índia. Sempre usava roupas limpas e costumava vagar pelas vilas carregando um vaso de vinho. 

Certa vez, ele encontrou o mestre Micchaka, colocou o vaso diante dele, curvou-se e perguntou:

Vasumitra: Você sabe o que é isto?
Micchaka: É um vaso, ainda impuro.

Micchaka: Este vaso é meu ou é seu?
Vasumitra: Se você considerar isso como meu vaso, então ele é a sua natureza inerente. E então, se este for o seu vaso, você deve receber o meu ensinamentos.

Vasumitra compreendeu que possuía o pote, que possuía a própria natureza búddhica, e então alcançou o caminho, além do absoluto, além do relativo.


8. De Vasumitra para Buddhanandi

Buddhanandi era um especialista em filosofia e dialética. Ao encontrar o mestre Vasumitra, decidiu desafiá-lo.

Buddhanandi: Vim debater com você sobre a natureza da verdade.
Vasumitra: Meu caro amigo, a verdade não tem dois lados; logo, nunca foi e nunca poderá ser debatida. Qualquer coisa que seja debatida, por mais profunda que seja, simplesmente não é a verdade. Tudo o que é declarado sobre a verdade, por mais coerente e correto, permanece apenas no nível da discussão. Sempre há alguma perspectiva, em que qualquer afirmação pode e deve ser debatida. Até mesmo a menor intenção de afirmar ou discutir já encobre o que é real. Nenhuma afirmação verbal, como dizer que "a mente e seus objetos não estão fundamentalmente separados", pode ser a verdade. A afirmação verbal de que "a verdade está além das palavras e dos pensamentos" também não é a verdade. Afirmar que "sujeito e objeto são esquecidos na iluminação", ou expressar que "sujeito e objeto não são esquecidos na iluminação", também não são a verdade.

A afirmação do bodhisattva Manjushri de que "a realidade está muito além da fala" é uma expressão excelente da verdade, mas é não é verdade real. Até mesmo a resposta radical de Vimalakirti, sentado em silêncio trovejante, é uma mera expressão do que é real. Enquanto intervir qualquer senso de definição, ou mesmo um senso de expressar a verdade, o princípio da natureza não-nascida não pode ser esclarecido, e permaneceremos confusos, mesmo que sejamos discípulos de Buddha.

Extinguir o corpo e a mente em uma concentração inquebrantável é uma obstrução severa. Até mesmo o mais alto caminho do rejeitar os dualismos de "delusão" e "iluminação", de evitar as noções de "impureza" e "pureza", é uma venda opaca. Tanto a forma quanto a não-forma adulteram a verdade, assim como a miragem adultera o deserto. Não devemos nem procurar a verdade através das formas douradas de Buddhas, nem através da sua brilhante não-forma. Se você afirmar que o samsara é um sonho, ainda sobra alguém sonhando e alguém afirmando. Que engraçado! Mesmo a diferenciação entre "falso" e "verdadeiro" permanece no nível da discussão perene e portanto não é a verdade. Simplesmente seja a verdade! Mas não ache você irá se tornar uma lagoa tranqüila ou um céu imaculado!

Subitamente, Buddhanandi realizou a verdade, além das meras expressões.


9. De Buddhanandi para Buddhamitra

Buddhamitra tinha sido mudo e paralítico desde que nasceu. Aos 50 anos, ele acabou encontrando o mestre Buddhanandi, que estava viajando e ensinando pela Índia. Ao ver o mestre, Buddhamitra deu seus primeiros passos e pronunciou suas primeiras palavras.

Buddhamitra: Nem mesmo a mãe e o pai estão tão próximos; onde está a verdadeira intimidade? Nem mesmo os Buddhas estão tão próximos; onde está o grande caminho?
Buddhanandi: Sua fala ainda não tinha se manifestado porque você está unido com a mente essencial. Sua intimidade com seus pais é tão intensa que você hesitou em andar. Mas você deve renunciar ao seu lar, pois a intimidade com a mente é infinitamente mais intensa. É a intimidade da não-dualidade. Você não manifestou qualquer ação porque você já está no grande caminho, que não pode ser expresso por qualquer forma exterior ou interior, nem mesmo pelas auspiciosas formas douradas dos Buddhas, aos quais você é profundamente devotado. Agora, você deve despertar para a mente essencial, percebendo que não é necessário ficar unido silenciosamente com ela. Tudo o que você pensa ou faz não está separado da mente essencial.

Assim como Shakyamuni fez ao nascer, Buddhamitra deu sete passos e confirmou o seu íntimo despertar para a mente essencial, sete passos no grande caminho.


10. De Buddhamitra para Parshva

Parshva tornou-se monge aos 60 anos de idade. Os outros monges e monjas acharam isso ridículo, mas Parshva continuou a aprender, estudar e meditar. Três anos depois, o mestre Buddhanandi estava recitando o Sutra do Não-nascimento. Parshva, atento, sem se apegar a qualquer palavra ou gesto do mestre Buddhamitra, simplesmente despertou para a natureza búddhica.


11. De Parshva para Punyayasha[s]

Quando o mestre Parshva chegou à vila onde residia Punyayashas, ele avisou aos seus companheiros que ali apareceria um grande sábio.

Parshva: De onde você vem? Onde você mora?
Punyayashas: Minha mente não vem nem vai. Minha mente não mora em lugar algum.
Parshva: Você me parece um pouco desorientado.
Punyayashas: Todos os Buddhas estão neste estado.
Parshva: Esta noção, "todos os Buddhas", é uma falsificação.

Após três semanas, Punyayashas conseguiu compreender o que o mestre havia dito. Ele foi até o mestre Parshva e completou:

Esta noção, "todos os Buddhas", realmente é uma falsificação, e assim são as noções de "sagrado", "santo", "especial". 

12. De Punyayashas para Ashvagosha [Anabodhi]

O monge Ashvagosha, já conhecido por suas grandes virtudes, perguntou ao mestre Punyayashas:

Ashvagosha: O que é Buddha?
Punyayashas: A pessoa que realmente não conhece o Buddha é um Buddha.
Ashvaghosha: Como alguém pode saber definitivamente que o estado de não-conhecer é Buddha?
Punyayashas: Como alguém pode saber definitivamente que o estado de não-conhecer não é Buddha?
Ashvagosha: Esta conversa está parecendo uma serra afiada.
Punyayashas: Também parece com uma madeira fina. Para você, o que significa a expressão "serra afiada"?
Ashvagosha: Caro mestre, nós estamos alinhados como os dentes de uma serra afiada. E para o senhor, o que significa a expressão "madeira fina"?
Punyayashas: A hora chegou. Agora, você está serrado!

O mestre cortou todas as delusões que Ashvagosha, que subitamente alcançou o caminho.


13. De Ashvagosha para Kapimala

Kapimala, que praticava várias tradições esotéricas, tinha três mil seguidores. Diante do mestre Ashvagosha, Kapimala começou a fazer várias mágicas; e todas foram anuladas pelo mestre.

Ashvagosha: Você pode transformar o vasto oceano com seus poderes?
Kapimala: Certamente!
Ashvagosha: E o oceano da realidade? As montanhas, os rios e a terra aparecem simplesmente como ondas neste oceano. O grande conhecimento e a grande ação dos humanos completamente realizados parecem simplesmente como ondas neste oceano.

Então, Kapimala compreendeu que seus poderes eram meras ondas do oceano da realidade. Assim, ele entrou no verdadeiro oceano da sabedoria.


14. De Kapimala para Nagarjuna

O monge Nagarjuna era um grande conhecedor do buddhismo. Certa vez, seu mestre, Kapimala, ganhou uma jóia preciosa de outra dimensão, do reino das nagas.

Nagarjuna: Esta jóia, brilhante e mágica, tem forma ou não?
Kapimala: Você ainda está obcecado por dualismos, "com forma" e "sem forma". Por que você não percebe esta jóia diretamente? Ela não tem forma, nem é sem-forma. Além disso, ela nem mesmo é uma jóia.

Nagarjuna percebe a forma da não-forma, a jóia que não é uma jóia, e realiza o caminho.


15. De Nagarjuna para Aryadeva

Aryadeva foi a uma audiência com o mestre Nagarjuna, esperando que fosse admitido como discípulo. O mestre pediu para colocarem um pote d'água diante de Aryadeva, que jogou uma agulha no pote e o devolveu a Nagarjuna. Ambos começaram a rir, e Aryadeva realizou a perfeição da sabedoria.


16. De Aryadeva para Rahulata [Rahulabhadra]

O jovem Rahulata estava ouvindo uma conversa entre seu pai e o mestre Aryadeva. Simplesmente ouvindo, o menino também despertou a sabedoria.


17. De Rahulata para Sanghanandi

Desde a infância, Sanghanandi interessou-se pelo buddhismo. Aos 19 anos de idade, abandonou o palácio onde morava e passou a morar em uma caverna distante. Aos 29 anos, ele encontrou o mestre Rahulata, que lhe disse:

Por mim, que não tenho um "eu limitado", você pode ver claramente o "eu ilimitado". Se você concordar profundamente comigo, perceberá que o "eu limitado" nunca se funde no "eu ilimitado" durante a profunda absorção do samadhi. Por quê? Para aquele que vê o "eu ilimitado" claramente, o "eu limitado" simplesmente não existe, nem mesmo chegou a existir.

Assim, Sanghanandi viu claramente o eu ilimitado e recebeu a transmissão.


18. De Sanghanandi para Gayashata [Sanghayathata]

Gayashata nasceu com uma grande sabedoria e, ainda jovem, encontrou o mestre Sanghanandi. Ao ouvir o barulho de um sino ao vento, o mestre perguntou:

Sanghanandi: O sino está tocando ou vento está tocando?
Gayashata: Não é o sino, nem mesmo o vento, mas sim a grande mente que está tocando.
Sanghanandi: Para quem a grande mente está aparecendo agora?
Gayashata: Tanto o sino quanto o vento são o silêncio da grande mente.

No som silencioso da mente, a sabedoria se manifestou espontaneamente.


19. De Gayashata a Kumara[la]ta

O mestre Gayashata encontrou Kumarata em uma pequena vila indiana, proclamando:

O venerável e sábio Shakyamuni profetizou que, mil anos depois de seus mahaparinirvana, um grande ser nasceria nesta pequena vila, um ser vajra que deve receber e transmitir o ensinamento súbito. Você realizou esta boa fortuna simplesmente ao me encontrar.

Realmente, ao ouvir aquelas palavras, Kumarata subitamente alcançou o caminho.


20. De Kumarata para Jayata [Shayata]

Jayata conhecia muito bem os ensinamentos de Buddha, mas ainda tinha muitas dúvidas a respeito do karma. Então, o mestre Kumarata explicou:

Você ainda não percebeu que as estruturas morais do karma, coerentes como são, manifestam-se apenas pelo senso delusório da separação. O sentido de separação resulta da consciência sujeito-objeto, que por sua vez resulta da ignorância. Esta teia de aparente causalidade vislumbra dentro do espaço da mente pura, a extensão infinita que não experimenta nem a originação nem a cessação. A mente pura, livre da atividade e da identidade, é portanto livre de quaisquer resultados que possam aparecer do karma, tanto superiores quanto inferiores. A mente pura é dinâmica e penetrante; porém, é essencialmente tranqüila. No momento em que você assimilar esta verdade, você será exatamente o mesmo com todos os Buddhas do espaço e do tempo. Você verá as condições chamadas de boas ou ruins, assim como a extensão incondicionada que está além do "bem" e do "mal", como sendo sonhos vívidos e insubstanciais.

Assim, Jayata extinguiu suas dúvidas e realizou a perfeição da sabedoria.


21. De Jayata para Vasubandhu

Vasubandhu era um monge com muitos seguidores, venerado antes mesmo de nascer. O mestre Jayata entrou em sua sangha como um mendigo e perguntou:

Jayata: Vasubandhu é muito puro, mas será que ele vai despertar completamente?
Monges: Ele já um desperto.
Jayata: O mestre de vocês ainda está longe do despertar completo. Ele pode continuar a praticar a disciplina severa e a promulgar definições rigorosas por várias eras mas, sem o despertar completo, estes esforços só plantarão sementes de divisão, de importância, de obsessão, de limitação.
Monge superior: Que poder espiritual você acumulou, sábio errante, para poder avaliar o nosso mestre?
Jayata: Nunca segui o caminho da evolução; então, não sou dividido. Nunca venerei os Buddhas; então, não sou importante. Nunca pratiquei a meditação silenciosa; então, não sou obsesso. Nunca coloquei limites; então, não sou limitado. Simplesmente permanecendo em sua natureza verdadeira, minha mente já é o despertar completo.

Vasubandhu, que estava por perto, também ouviu isso e compreendeu que sua verdadeira natureza também era o completo despertar.


22. De Vasubandhu para Manorhita [Manorata]

Manorhita era o monge ajudante do mestre Vasubandhu. Certa vez, perguntou:

Manorhita: O que é exatamente a iluminação dos Buddhas?
Vasubandhu: Esta iluminação é simplesmente a natureza essencial da consciência cotidiana.
Manorhita: O que é a natureza essencial da consciência cotidiana?
Vasubandhu: É a ausência de qualquer separação entre órgãos dos sentidos, objetos dos sentidos e consciências dos sentidos.

Subitamente, Manorhita compreendeu a natureza essencial de consciência e recebeu a transmissão.


23. De Manorhita para Haklenayasha[s]

Haklenayashas tornou-se monge aos 22 anos. Aos 30, encontrou o mestre Manorhita, que lhe fez uma grandiosa revelação:

Sou o tesouro incomparável e inesgotável da iluminação total. Agora, você deve receber este tesouro, tornar-se este tesouro, transmitir este tesouro às gerações futuras.

Simplesmente ouvindo estas palavras, Haklenayashas despertou subitamente.


24. De Haklenayashas para Aryasimha [Simhabodhi]

Aryasimha conhecia diversos ensinamentos de outras tradições, mas encontrou o seu caminho no Dharma de Buddha. Certa vez, ele perguntou ao mestre Haklenayashas:

Aryasimha: Estou comprometido a seguir o caminho de Buddha. Que votos e métodos devo adotar?
Haklenayashas: Para alguém verdadeiramente comprometido com o caminho de Buddha, não há procedimentos.
Aryasimha: Então, como a atividade de Buddha pode fluir?
Haklenayashas: Ocupar-se ou preocupar-se com procedimentos não é a atividade de Buddha. Não fazer coisa alguma é a atividade de Buddha. Como ensina o sutra, "Quaisquer méritos que eu atinja não pertencem a mim."

Deste modo, Aryasimha realizou a atividade de Buddha.


25. De Aryasimha para Basiasita [Bashashita]

O jovem Basiasita nunca tinha tinha conseguido abrir sua mão esquerda, que tinha os dedos fechados, em punho, desde o seu nascimento. Seu pai resolveu levá-lo ao mestre Aryasimha, em busca de um milagre. E o mestre lhe disse:

Transmito agora o tesouro inextinguível do olho do dharma, que discerne apenas o ensinamento supremo, em qualquer lugar. Guarde bem este tesouro e todos os seres despertarão, agora e sempre.

Basiasita abriu sua mão esquerda pela primeira vez, e recebeu o maior de todos os tesouros: a transmissão do tesouro do dharma.


26. De Basiasita para Punyamitra

Antes de fazer a transmissão, o mestre Basiasita teve um breve diálogo com seu sucessor, Punyamitra:

Basiasita: Se você renunciar ao seu lar, o que você fará?
Punyamitra: Absolutamente nada.
Basiasita: Se você renunciar ao seu lar, o que você não fará?
Punyamitra: Não farei qualquer pensamento comum, nenhuma ação comum.
Basiasita: Se você realmente renunciar ao ser lar, quem você será?
Punyamitra: Serei a atividade de Buddha, com toda clareza e intensidade.

Deste modo, Punyamitra realizou a atividade de Buddha, com toda clareza e intensidade do despertar.


27. De Punyamitra para Prajnatara [Prajnadhara]

O órfão Prajnatara vagava por diversos caminhos, sem família, sem lar. Aos 20 anos de idade, ele encontrou o mestre Punyamitra.

Punyamitra: Você lembra do antigo caminho?
Prajnatara: Lembro-me de estar com você em outra era, venerável sábio. Você estava irradiando silenciosamente a perfeição da sabedoria e eu estava cantando melodiosamente sua expressão suprema, o Sutra da Perfeição da Sabedoria. Nosso encontro atual é um reflexo do encontro passado.

No silêncio que se seguiu, Prajnatara recebeu a luz da perfeição da sabedoria.


28. De Prajnatara para Bodhidharma

O ex-príncipe Bodhidharma conheceu Prajnatara como um mestre de Vajramushti, a arte marcial da antiga Índia. Depois, ele descobriu que Prajnatara também era um mestre do Dharma de Buddha, pelo qual se interessou ainda mais.

Prajnatara: O que é completamente sem características e, portanto, completamente incaracterizável?
Bodhidharma: É aquilo que nunca, quando se manifesta livremente, nunca surge no lugar original.
Prajnatara: O que é o mais excelente, exalto e sublime?
Bodhidharma: É a clareza e brilho inatos da própria consciência.
Prajnatara: O que é realmente ilimitado e, portanto, sem nenhuma divisão ou ligação?
Bodhidharma: É a própria natureza da realidade, da maneira que ela é, momento a momento.

Depois dessa transmissão, Prajnatara pediu a Bodhidharma para que levasse a luz do Dharma até a China. Depois de uma longa viagem de barco, ele chegou lá e se encontrou com o imperador Wu, do reino de Liao.

Wu: Eu construí templos e monastérios para os monges, dei dinheiro para os pobres. Quantos méritos eu consegui?
Bodhidharma: Mérito nenhum.
Wu: Então, o que é o ensinamento sagrado do Buddha?
Bodhidharma: É vazio e nada tem de sagrado.
Wu: Mas afinal, quem é você?
Bodhidharma: Não sei.

Depois disso, Bodhidharma se retirou para o norte e se instalou no monastério Shao-lin, onde se iniciaria a luminosa linhagem chinesa do Zen.

Continua na Parte II - Transmissões na China


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